Flores no Túmulo da Esposa: A Descoberta que o Deixou Sem Palavras

O vento de fevereiro uivava sobre o antigo cemitério nos arredores de Sintra, arrastando folhas secas entre cruzes inclinadas e lápides modestas.
João Mendes caminhava com passo firme, envolto num sobretudo preto, as mãos enfiadas nos bolsos. O rosto mantinha-se calmo, quase indiferente, embora por dentro os pensamentos fervilhassem.

Como fazia todos os anos, vinha ali cumprir o seu ritual silencioso — visitar o túmulo da esposa, Beatriz. Cinco anos já desde que ela partira, e embora a dor externa tivesse há muito desaparecido, João continuava destroçado por dentro.
Aquele dia levara não apenas o amor da sua vida, mas também o calor da sua casa no bairro histórico, a alegria das noites partilhadas sobre uma chávena de café e o laço invisível que o mantinha à tona.

Parou diante de uma lápide simples em granito cinzento. O nome de Beatriz estava gravado em letras claras, ao lado das datas da sua vida, agora tão distantes. João ficou a olhar em silêncio para a inscrição, sentindo o frio trespassar-lhe as roupas.

Não era homem de exprimir os sentimentos em voz alta. “Já se passaram cinco anos,” murmurou, sem esperar resposta. Era inútil, mas ali, de pé, sentia sempre que Beatriz ainda podia ouvir os seus sussurros, como se o vento carregasse o seu suspiro das profundezas da terra.

Talvez por isso nunca tivesse conseguido deixá-la ir verdadeiramente. Fechando os olhos, João inspirou fundo, tentando proteger-se do vazio que lhe apertava o peito. De repente, um leve farfalhar interrompeu-lhe os pensamentos.

João franziu a testa e virou a cabeça. Foi então que o viu.
No túmulo de Beatriz, envolto num cobertor velho e roto, estava deitado um menino pequeno. Não teria mais de seis anos. O corpo franzino tremia de frio, e nas mãos pequenas agarrava uma fotografia desbotada.

João congelou, incapaz de acreditar no que via. A criança estava a dormir. A dormir mesmo em cima da lápide da sua mulher.
“Mas que raio…?” resmungou, aproximando-se com cautela, as botas a ranger no cascalho gelado. Ao chegar mais perto, observou o menino: vestia um casaco fino, claramente inadequado para o inverno.

O cabelo estava despenteado pelo vento, a pele pálida devido à geada. “Ei, miúdo!” chamou João, com voz firme mas suave. O menino não mexeu uma palha.
“Acorda!” Tocou-lhe suavemente no ombro. A criança estremeceu, ofegante, e abriu uns olhos grandes e escuros. Por instantes, piscou-os com medo, antes de fixar o olhar em João.

Durante um momento, apenas se entreolharam. O menino apertou a fotografia com mais força e lançou um olhar rápido à lápide por baixo dele. Os lábios tremiam, e sussurrou: “Mãe!”
João sentiu um arrepio percorrer-lhe a espinha. “O que é que disseste?” perguntou.

O menino engoliu em seco e baixou os olhos. Os ombros magros encolheram-se. “Desculpa, Mãe. Não queria adormecer aqui,” acrescentou em voz baixa.
O coração de João apertou-se. “Quem és tu?” perguntou, mas o menino manteve-se em silêncio, apenas pressionando a fotografia contra o peito, como se esta o pudesse proteger.

João franziu a testa e estendeu a mão para a foto. O menino tentou resistir, mas não tinha forças. Quando João olhou para a imagem, o fôlego escapou-lhe.
Era Beatriz. Beatriz a sorrir, com os braços em volta daquele menino. “Onde é que arranjaste isto?” A voz de João tremia de incredulidade.

O menino encolheu-se. “Ela deu-mo,” murmurou.
O coração de João disparou. “Isso é impossível,” escapou-se-lhe.

O menino ergueu a cabeça, e os olhos tristes encontraram os de João. “Não é. A Mãe deu-mo antes de partir.”
João sentiu o chão fugir-lhe debaixo dos pés. Beatriz nunca lhe falara daquele menino. Nunca.

Quem era ele? E porque estava a dormir no seu túmulo, como se ela fosse verdadeiramente sua mãe? O silêncio entre eles tornou-se pesado, como um nevoeiro invernal. João agarrou a fotografia de Beatriz, mas a mente recusava-se a processar o que se passava. O menino olhava para ele com medo, como quem espera ser rejeitado.

João sentiu a irritação a crescer-lhe no peito, misturada com inquietação. Olhou novamente para o menino — Duarte, como viria a saber — diante dele, pequeno e indefeso, com aqueles olhos grandes que pareciam velhos demais para a sua idade. O menino tremia de frio, as faces vermelhas da geada, os lábios gretados, como se não tivesse bebido nada quente há dias. João franziu a testa.

“Há quanto tempo estás aqui?” perguntou, mantendo a voz controlada.
“Não sei,” sussurrou Duarte, abraçando-se com os braços delgados.

“Onde estão os teus pais?” insistiu João, mas o menino apenas baixou os olhos em silêncio.
A paciência de João esgotava-se, mas em vez de pressionar, suspirou profundamente. Estar no meio de um cemitério a interrogar uma criança não fazia sentido. Tinha de agir.

“Vem comigo,” disse secamente.
Os olhos de Duarte alargaram-se de surpresa. “Para onde?”

“Para um lugar quente,” respondeu João, sem elaborar.
O menino hesitou, os dedos a apertarem a fotografia. “Não ma vais tirar?” perguntou baixinho, acenando para a imagem.

João olhou para a fotografia de Beatriz e entregou-a de volta a Duarte. O menino agarrou-a com ambas as mãos, como se fosse o seu último tesouro. João curvou-se e ergueu o menino com facilidade — era leve como uma pena, o que o preocupou ainda mais. Sem uma palavra, dirigiu-se para a saída do cemitério.

Desta vez, ao deixar o túmulo de Beatriz, João sentiu algo novo. Não estava apenas a deixar para trás a sua memória, mas também a certeza de que não a conhecera por completo. E isso assustava-o mais do que estava preparado para admitir.

A velha carrinha de João rugiu pelas ruas nevadas de Sintra em silêncio absoluto.
Duarte sentava-se no banco de trás, encostado à janela, a olhar com olhos arregalados para as luzes da vila, como se as visse pela primeira vez. João, de mãos firmes ao volante, espreitava-o pelo retrovisor. Tudo parecia um sonho — um menino estranho com uma foto da sua mulJoão olhou para Duarte através do espelho e, pela primeira vez em cinco anos, sentiu que o coração já não estava vazio, mas sim cheio de um amor que nem sabia que ainda existia dentro de si.

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