6 de Janeiro, 2024
Hoje foi um daqueles dias que ficam na memória. Eram cerca das 19h quando uma senhora idosa entrou no restaurante mais elegante de Lisboa, o “O Solar do Fado”.
Ela vestia um casaco desbotado, com um botão faltando, um lenço de lã simples e um par de galochas velhas. Tão diferente dos outros clientes — homens de fatos elegantes, mulheres em vestidos de seda, copos de cristal a brilhar sob a luz suave dos candeeiros.
Assim que pisou no salão, os murmúrios começaram. Um casal trocou olhares de desdém, e ouvi alguém sussurrar:
— Que está a fazer aqui esta mendiga?
A empregada de mesa, com um sorriso forçado, aproximou-se e, depois de a observar da cabeça aos pés, disse:
— Desculpe, mas estamos completos.
Mentira. Havia várias mesas vazias.
A idosa hesitou, pronta para sair, quando um jovem empregado — rapaz de olhos calorosos — se dirigiu a ela:
— Por favor, acompanhe-me. Temos um lugar para si.
Ela agradeceu com um aceno tímido, retirou o casaco e pendurou-o com cuidado na cadeira. Sentou-se. Mas então, algo inesperado aconteceu.
O rapaz trouxe-lhe o menu, e minutos depois, ela pediu, com voz serena:
— Gostaria de peito de pato com molho de romã, sopa cremosa de cogumelos… e um cálice do vosso melhor vinho tinto.
Ele arqueou as sobrancelhas, hesitante:
— Peço desculpa, senhora, mas… os preços aqui são elevados.
Ela sorriu, um sorriso triste:
— Eu sei. Poupei durante anos. Tudo para os meus filhos e netos. Ajudei, neguei-me a mim mesma, guardei cada cêntimo. Mas já ninguém se lembra de mim. Não atendem as minhas chamadas. Alguns até disseram para “não aparecer sem avisar”.
Fez uma pausa, os olhos fixos no toalho branco. Depois continuou:
— Os médicos disseram-me que tenho cancro. Avançado. Talvez uma semana, talvez um mês. Pensei… se este é o fim, mereço pelo menos uma noite para me sentir como uma pessoa. Não um fardo. Uma convidada. Uma mulher que pode jantar como nos filmes.
O rapaz ficou em silêncio. Havia algo brilhante nos seus olhos. Acenou levemente:
— Então, esta será a melhor ceia da sua vida. Acredite.
Quando voltou, trouxe não apenas o seu pedido, mas também uma sobremesa “oferta da casa” e um cálice do vinho mais caro da carta.
Ela comeu devagar, saboreando cada garfada. Ouviu o fado ao vivo. Os outros clientes, primeiro confusos, acabaram por ignorá-la. E eu, cá no meu canto, aprendi uma lição sobre dignidade.