Levou Flores ao Túmulo da Esposa—e o Que Encontrou Lá o Deixou Sem Palavras

O vento de fevereiro uivava sobre o cemitério antigo nos arredores de Alcácer do Sal, empurrando folhas secas entre cruzes inclinadas e lápides modestas. João Matias caminhava com passos firmes, envolto num sobretudo preto, as mãos enfiadas nos bolsos. O rosto dele permanecia calmo, quase indiferente, embora por dentro os pensamentos se agitassem.

Como fazia todos os anos, ele vinha cumprir seu ritual—visitar o túmulo da esposa, Catarina. Cinco anos haviam passado desde que ela se fora, e embora a dor externa já tivesse se dissipado, João continuava partido por dentro. Aquele dia levara não só o amor da sua vida, mas também o calor da casa deles no bairro histórico, a alegria das noites partilhadas com café e o laço invisível que o mantinha de pé.

Parou diante de uma lápide simples de granito cinza. O nome de Catarina estava gravado em letras claras, ao lado das datas da sua vida, agora tão distantes. João ficou a olhar em silêncio para a inscrição, sentindo o frio penetrar-lhe as roupas.

Ele não era de expressar sentimentos em voz alta. “Já cinco anos,” murmurou, sem esperar resposta. Era inútil, mas ali, em pé, sempre lhe parecia que Catarina ainda podia ouvi-lo, como se o vento trouxesse o seu sopro das profundezas da terra.

Talvez por isso nunca tivesse conseguido deixá-la ir verdadeiramente. Fechando os olhos, João respirou fundo, tentando proteger-se do vazio que lhe apertava o peito. De repente, um leve farfalhar interrompeu-lhe os pensamentos.

João franziu a testa e virou a cabeça. Foi quando o viu.
Sobre o túmulo de Catarina, enrolado num cobertor velho e esfarrapado, estava um menino pequeno. Não devia ter mais de seis anos. O corpo franzino tremia de frio, e nas mãos pequenas, ele apertava uma fotografia desbotada.

João ficou paralisado, sem acreditar no que via. O miúdo estava adormecido. Adormecido em cima da lápide da sua mulher.
“Mas que raio…?” resmungou, aproximando-se com cautela, as botas a ranger no cascalho gelado. Ao chegar perto, observou o rapaz: vestido com um casaco fino, claramente inadequado para o inverno.

O cabelo estava despenteado pelo vento, a pele pálida pela geada. “Ei, miúdo!” chamou João, com uma voz firme mas suave. O menino não se mexeu.
“Acorda!” Tocou-lhe levemente no ombro. O garoto sobressaltou-se, ofegante, e abriu os olhos grandes e escuros. Primeiro, piscou com medo, depois fixou o olhar em João.

Por um momento, ficaram só a olhar um para o outro. O menino apertou a fotografia com mais força e lançou um olhar rápido à lápide por baixo dele. Os lábios tremiam, e sussurrou: “Mãe!”
João sentiu um arrepio percorrer-lhe a espinha. “O que disseste?” perguntou.

O menino engoliu em seco e baixou os olhos. Os ombros magros descaíram. “Desculpa, mãe. Não queria adormecer aqui,” acrescentou, em voz baixa.
O coração de João apertou-se. “Quem és tu?” perguntou, mas o garoto permaneceu em silêncio, só pressionando a fotografia contra o peito, como se ela o protegesse.

João franziu a testa e esticou a mão para a foto. O menino resistiu, mas não tinha força. Quando João olhou para a imagem, a respiração falhou-lhe.
Era Catarina. Catarina a sorrir, com os braços em volta deste menino. “Onde arranjaste isto?” A voz de João tremeu de incredulidade.

O garoto encolheu-se. “Ela deu-ma,” sussurrou.
O coração de João acelerou. “Isso é impossível,” escapou-lhe.

O menino levantou a cabeça, e os olhos tristes encontraram os de João. “Não é. A mãe deu-ma antes de partir.”
João sentiu o chão sumir-se debaixo dele. Catarina nunca lhe falara deste menino. Nunca.

Quem era ele? E porque estava a dormir no túmulo dela, como se ela fosse mesmo sua mãe? O silêncio entre eles tornou-se pesado, como um nevoeiro de inverno. João apertou a fotografia de Catarina, mas a mente recusava-se a processar o que se passava. O menino olhava para ele com medo, como se esperasse ser afastado.

João sentiu a irritação crescer no peito, misturada com desconforto. Olhou novamente para o garoto—Tomás, como viria a descobrir—pequeno e indefeso, com aqueles olhos grandes que pareciam velhos demais para a idade. Ele tremia de frio, as faces vermelhas da geada, os lábios gretados, como se não tivesse tomado nada quente há dias. João franziu a testa.

“Há quanto tempo estás aqui fora?” perguntou, mantendo a voz calma.
“Não sei,” Tomás sussurrou, abraçando-se com os braços finos.

“Onde estão os teus pais?” insistiu João, mas o menino só baixou os olhos em silêncio.
A paciência de João esgotou-se, mas em vez de pressionar, suspirou fundo. Ficar no meio de um cemitério a interrogar uma criança não fazia sentido. Tinha de agir.

“Vem comigo,” disse secamente.
Os olhos de Tomás arregalaram-se de surpresa. “Para onde?”

“Para um lugar quente,” respondeu João, sem explicar.
O garoto hesitou, os dedos a apertarem a fotografia. “Não me vais tirar isto?” perguntou baixinho, acenando para a foto.

João olhou para a imagem de Catarina e devolveu-a a Tomás. O menino agarrou-a com as duas mãos, como se fosse o seu último tesouro. João inclinou-se e levantou-o com facilidade—era leve como uma pena, o que o preocupou ainda mais. Sem uma palavra, dirigiu-se para a saída do cemitério.

Desta vez, ao deixar o túmulo de Catarina, João sentiu algo novo. Não estava apenas a deixar para trás a memória dela, mas também a certeza de que não a conhecera por completo. E isso assustava-o mais do que queria admitir.

A velha carrinha Mercedes de João rugia pelas ruas nevadas de Alcácer do Sal em completo silêncio.
Tomás estava sentado no banco de trás, encostado à janela, a olhar com os olhos arregalados para as luzes da vila, como se nunca as tivesse visto antes. João, com as mãos firmes no volante, observava-o pelo retrovisor. Tudo parecia um sonho—um menino estranho com uma fotografia da sua mulher, um orfanato de que ele nada sabia, um mistério que destruía a sua compreensão de Catarina.

Respirou fundo, tentando acalmar-se. Precisava de respostas.
“Como chegaste ao cemitério?” perguntou, quebrando o silêncio.

Tomás hesitou alguns segundos antes de responder baixinho: “Vim a pé.”
João olhou para ele com ceticismo pelo espelho. “De onde?”
“Do abrigo,” Tomás encolheu os ombros.

João apertou o volante com mais força. “E como sabias onde a Catarina estava enterrada?”
O menino abraçou os joelhos, como se tentasse tornar-se menor. “Segui-a uma vez,” sussurrou.

João sentiu um arrepio. “SeguiJoão olhou para Tomás, o coração apertado, e percebeu que, no fim de tudo, Catarina lhe deixara não só saudades, mas um novo começo—uma família.

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