O mar e a escolha
— Inês, as tuas férias estão canceladas — anunciou Rui durante o jantar, com um sorriso de autossatisfação a esticar os lábios. Claramente, deleitava-se com o momento. — Comprei uma viagem à minha mãe. Ela sempre sonhou com o mar, percebes? Agora vai ser ela a ir em teu lugar, para se divertir. Ela merece.
Inês ergueu os olhos do prato devagar. Fitou o marido com um olhar longo e estudioso. E nada disse. Apenas sorriu ligeiramente — não com malícia, não com ironia, mas com uma calma surpreendente.
E foi aquele sorriso que deixou Rui desconfiado. Estava preparado para o escândalo, para os gritos, para os pratos atirados. Mas em vez disso, silêncio. E aquele sorriso estranho, incompreensível.
— Então… tu não te importas? — perguntou ele, já com menos convicção na voz. — A sério?
— Claro que não, meu bem — respondeu Inês, docemente, continuando a comer como se nada tivesse acontecido. — Se a tua mãe sonhava com o mar, então que o seu sonho se realize. Como poderia ser de outra forma?
Rui ficou visivelmente confuso. De onde vinha aquele tom angelical? Teria corrido tudo assim tão bem? “Ora esta” — pensou, aliviado. — “Afinal, a minha Inês é mais compreensiva do que eu pensava.”
Dona Amélia partiu três dias depois. Uma viagem para o Algarve, um fato de banho novo, uma mala abarrotada, e um rosto radiante de felicidade. Tagarelava sem parar:
— Olha, Inês, como este chapéu me fica bem! Foi a vizinha Cristina que mo emprestou, mas não lho vou devolver — que fique cheia de inveja. Rui, meu filho, muito obrigada! És um verdadeiro homem. E tu, Inês, não fiques demasiado triste. Embora… — soltou uma risadinha, — quem sabe se não te vai roer a consciência por eu estar a divertir-me na praia, enquanto tu ficas presa neste apartamento abafado.
O humor da sogra era peculiar, mas Inês limitou-se a acenar e a sorrir.
Naquela noite, Rui saboreava uma cerveja em frente à televisão, a ver o futebol. Sentia-se um herói: fizera algo agradável pela mãe e evitara um conflito em casa. “Eis a vida adulta” — pensou, satisfeito. — “Tranquila, madura. Tudo sob controlo.”
Mas então, tudo mudou.
Na noite seguinte, Inês não voltou para casa. O telemóvel não atendia. Rui só começou a preocupar-se por volta da meia-noite, quando, ao entrar na casa de banho, reparou que a escova de dentes dela desaparecera. Depois, correu para o armário — metade das roupas sumira. O perfume, os cremes, até aquele fato de banho novo que ela comprara para as férias, tudo se evaporara.
Como se Inês nunca tivesse existido.
No dia seguinte, chegou uma mensagem: «Adeus, Rui. Se tu não me podes dar o mar, eu, como mulher, dou-mo a mim mesma. Não bebas demasiado — até sóbrio já és pouco agradável. Inês.»
E em anexo, uma fotografia. Inês à beira-mar, com um chapéu de abas largas, um vestido curto e decotado, um copo de cocktail na mão. Ao lado dela, um homem alto e barbudo, de camisa branca imaculada. Ambos sorriam, felizes e apaixonados.
Rui olhou para o ecrã, incrédulo. Como interpretar aquilo? Ela fugira com outro? E a casa, o lar, o casamento?
Três dias mergulhado em álcool. Primeiro cerveja, depois aguardente, e por fim algo escuro numa garrafa de plástico — nem sequer lembrava o que comprara. A televisão permanecia desligada. Apenas o miar da gata faminta, que se alimentava do que roubava da mesa enquanto ele estava inconsciente, quebrava o silêncio.
Inês desaparecera, como se se tivesse desvanecido no ar.
Ao sétimo dia, Dona Amélia regressou — bronzeada, animada, de óculos de sol e um ímã em forma de sardinha.
— Filho, cheguei! — anunciou, alegre. — Nem imaginas como estava bom! O mar — limpo, a comida — divina. Só não contei com as uvas que comi a mais, passei um dia inteiro no quarto, mas que quarto! Vista para a piscina, maravilhosa. Aliás, onde está a Inês?
Rui estava sentado na poltrona — por barbear, inchado, de boxers e uma t-shirt desbotada. À frente, uma garrafa vazia e uma tigela de esparguete frio.
— A Inês… foi para o mar — respondeu, rouco. — Fugiu com outro. Dois dias depois de partires, mãe. Enviou mensagem — disse que se ia embora porque eu não lhe dava o mar. E depois a foto… Ela com um tal barbudo, a brindar com cocktails.
Dona Amélia ficou petrificada. Permaneceu em silêncio por um minuto, depois explodiu:
— Mas o que é isto?! Que absurdo! E tu, fraco que és, deixaste a mulher fugir? Onde estavas quando ela fez as malas?
— A beber.
— Claro! Nem precisava de perguntar. Enquanto tu enchias a cara, ela metia-se num avião com outro. Nenhum respeito. E tu sentas-te aí como um boneco. Levanta-te já, vai atrás dela!
— Para quê, mãe? — Rui sorriu, amargo. — Ela escreveu claramente: ‘Adeus’. Não há volta a dar. E além disso… — agora tem tudo: dinheiro, passaporte e, provavelmente, felicidade.
— Ai, Rui, Rui… Que tolo és… E eu, tola também. — Dona Amélia sentou-se no banco e fitou o chão. — Fui eu que estraguei tudo. Devia ter comprado a viagem para vocês, não para mim.
Passou um mês. Inês não regressou.
PelRui aprendeu, tarde demais, que o mar não perdoa quem escolhe afogar o amor em egoísmo.