Marido traiu em segredo, mas a esposa contadora já preparava sua própria surpresa há anos…

— Está tudo transferido. Não nos resta mais nada.

Henrique atirou as palavras com a mesma leve indiferença com que costumava deixar as chaves do carro em cima do móvel da entrada.

Nem sequer olhou para mim enquanto desapertava a gravata cara — um presente meu no nosso último aniversário.

Fiquei imóvel, com o prato na mão. Não de dor. Não de choque. Mas de uma sensação estranha, quase física, como se uma corda fina tivesse sido esticada no meu peito, pronta para vibrar e soar a qualquer momento.

Dez anos. Dez longos anos esperei por este momento. Dez anos a tecer a minha teia no coração do negócio dele, entrelaçando os fios da minha vingança nos relatórios financeiros secos e impessoais.

— O que queres dizer com «tudo», Henrique? — a minha voz soou assustadoramente calma, lisa como a superfície de um lago gelado. Coloquei o prato em cima da mesa com cuidado. A porcelana tocou suavemente o carvalho.

Ele finalmente virou-se. Nos olhos, um triunfo mal disfarçado e irritação. Esperava lágrimas. Gritos. Humilhação. Não tinha intenção de lhe dar esse prazer.

— A casa, o negócio, as contas. Todos os ativos, Ana — disse com satisfação. — Vou começar do zero. Uma vida nova.

— Com a Carolina?

O rosto dele congelou por um instante. Não esperava que eu soubesse. Os homens são tão ingénuos. Acham que uma mulher que guarda cada cêntimo do negócio de milhões não vai reparar nas «despesas de representação» mensais, equivalentes ao salário de um diretor.

— Isso não é da tua conta — respondeu bruscamente. — Deixo-te o carro. E o apartamento por uns meses, até arranjares algo. Não sou um monstro.

Sorriu. O sorriso de um predador satisfeito, certo de que a presa já está na armadilha e só falta o golpe final.

Aproximei-me devagar da mesa, puxei a cadeira e sentei-me. Coloquei as mãos em cima da mesa, sem desviar o olhar.

— Então tudo o que construímos em quinze anos, simplesmente deste a outra mulher? Presenteaste-a?

— É negócio, Ana, não entenderias! — a voz dele tremeu, o rosto marcou-se de vermelho. — É um investimento! No meu futuro! Na minha liberdade!

No *dele*. Não *nosso*. Risquei-me da vida dele com tanta facilidade.

— Compreendo — acenei. — Sou contabilista, lembras-te? Entendo de investimentos. Especialmente os de alto risco.

Olhei para ele, e dentro de mim não havia dor nem raiva. Apenas um cálculo frio e preciso.

Ele não sabia que eu passara dez anos a preparar a resposta. Desde o dia em que vi pela primeira vez no telemóvel dele: «Estou à tua espera, gatinha». Não gritei naquele dia. Só criei um novo ficheiro no computador e chamei-lhe «Fundo de Reserva».

— Transferiste a tua quota do capital social por doação? — perguntei, como se falasse do tempo.

— O que te importa? — explodiu. — Acabou! Arranja as tuas coisas!

— Só curiosidade — sorri ligeiramente. — Lembras-te daquela cláusula no contrato social que acrescentámos em 2012? Quando expandimos a empresa?

Aquela sobre a transferência de quotas sem consentimento notarial de todos os sócios?

Henrique parou. O sorriso desfez-se como uma máscara. Não se lembrava. Claro que não. Nunca lia os documentos que eu lhe entregava. «Ana, está tudo certo? Assino, confio em ti.»

Assinava, confiante na minha lealdade. E tinha razão — eu era leal. Leal ao plano. Até à última vírgula.

— Que disparate! — riu-se nervosamente, mas o riso saiu rouco. — Que cláusula? Isso nunca existiu.

— Existiu. Lda. «Horizonte». Nós somos os sócios. Cinquenta por cinquenta. Cláusula 7.4, alínea b. Qualquer transação de transferência de quota — venda, doação — é nula sem o meu consentimento por escrito, autenticado por notário.

Falei baixo, pausadamente, como se estivesse a dar uma aula. Cada palavra cravava-se na mente dele como um prego.

— Estás a mentir! — pegou no telemóvel. — Vou ligar ao Vítor!

— Liga — encolhi os ombros. — O Dr. Vítor. Foi ele que autenticou o contrato. Guarda tudo. É meticuloso.

Henrique ficou imóvel. Percebeu — eu não estava a brincar. O Vítor estava connosco desde o início. Não era homem dele. Era homem da lei.

Henrique discou. Ouvi fragmentos: «Vítor, a Ana diz que… contrato de 2012… cláusula da transferência…»
Afastou-se para a janela, de costas para mim. Os ombros tensionaram-se. Vi-o a apertar o telemóvel como se quisesse parti-lo. A conversa foi curta.

Quando se virou, o rosto dele era puro pânico.

— Isto… é impossível! Vou recorrer ao tribunal! Não tinhas quota! Tudo estava em meu nome!

— Recorre — concordei. — Mas lembra-te: a tua doação não vale nada. Mas tentativa de desvio de bens por parte do administrador — isso é crime. Fraude em grande escala.

Ele caiu na cadeira. O predador já não brincava. Diante de mim, um animal encurralado.

— O que queres? — sibilou. — Dinheiro? Quanto? Dou-te uma compensação!

— Não quero o teu dinheiro, Henrique. Quero o que é meu por direito. Os meus cinquenta por cento. E vou ficar com eles. E tu… ficas com o que tinhas quando chegaste a mim há quinze anos. Com uma mala e dívidas.

— Eu criei esta empresa!

— Tu foste a sua cara — corrigi. — Mas quem a construiu fui eu. Cada contrato, cada fatura, cada pagamento de impostos. Enquanto tu «trabalhavas» com a Carolina no hotel.

Ele ergueu-se, derrubando a cadeira.

— Vais pagar por isto, Ana! Vou destruir-te!

— Antes de me destruíres — falei baixinho —, liga à tua Carolina. Pergunta se já recebeu a notificação de cobrança antecipada do empréstimo.

Henrique estacou.

— Que empréstimo? Eu comprei-lhe a casa a dinheiro!

— Não — abanei a cabeça, sorrindo o meu sorriso mais profissional. — Não compraste. Convenceste-me de que era vantajoso para a empresa investir em imóveis. A «Horizonte» comprou a casa. Depois «vendeu-a» à tua amante. Ela assinou um contrato de empréstimo com a nossa própria empresa — pelo valor total. Com a casa como garantia.

Eu mesma preparei os documentos, Henrique. Foi ideia tua, lembras-te? Só a tornei real.

— E ontem, como única sócia legítima, iniciei o processo de cobrança.

A tua Carolina tem trinta dias para pagar a dívida. Se não o fizer, a casa volta para a empresa. Ou seja, para mim.

O rosto dele deformou-se, como se uma máscara de cera derretesse em fúria e terror. Olhou para mim como se fosse um fantasma — não a Ana quieta e submissa que sofrera calada durante anos, mas alguém estranho, calculista, perigoso.

Agarrou o telemóvel sem desviar os olhos de mim e marcou um número.

— Carolina? Sou eu. Escuta com atenção… O quê? Que notificação? Que estás para aA porta da cela fechou-se atrás dele, e eu, finalmente livre, respirei o ar puro da minha vitória.

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