Marido traiu em segredo, mas a esposa já planejava sua vingança há anos…

— Está tudo transferido. Não nos resta mais nada.

Miguel deixou cair essas palavras com a mesma leveza com que costumava atirar as chaves do carro em cima da mesinha de cabeceira.

Nem sequer olhou para mim enquanto desapertava a gravata cara — um presente meu no nosso último aniversário de casamento.

Fiquei parada, com o prato na mão. Não de dor. Não de choque. Mas de uma sensação estranha, quase física — como se um fio tenso tivesse sido esticado no meu peito, prestes a vibrar a qualquer momento.

Dez anos. Dez longos anos esperei por este momento. Dez anos teci a minha teia no coração do negócio dele, entrelaçando os fios da minha vingança nas linhas secas dos relatórios financeiros.

— O que queres dizer com «tudo», Miguel? — a minha voz saiu estranhamente calma, lisa como a superfície de um lago gelado. Coloquei o prato na mesa com cuidado. A porcelana tocou o carvalho sem fazer barulho.

Ele finalmente virou-se. Nos olhos, um triunfo mal disfarçado e irritação. Esperava lágrimas. Gritos. Humilhação. Eu não ia dar-lhe esse prazer.

— A casa, o negócio, as contas. Todos os ativos, Ana — disse com satisfação. — Vou recomeçar. Uma vida nova.

— Com a Marta?

O rosto dele congelou por um segundo. Não esperava que eu soubesse. Os homens são tão ingénuos. Acham que uma mulher, que tem na cabeça cada cêntimo dos milhões que movimentam, não repara nas despesas mensais de «representação» equivalentes ao salário de um diretor.

— Isso não te diz respeito — respondeu com aspereza. — Deixo-te o carro. E o apartamento por uns meses, até arranjares algo. Não sou um monstro.

Ele sorriu. O sorriso de um predador saciado, certeiro de que a presa já está na armadilha e só falta o golpe final.

Aproximei-me da mesa devagar, puxei a cadeira e sentei-me. Coloquei as mãos em cima da mesa, sem desviar o olhar.

— Então, tudo o que construímos em quinze anos, simplesmente entregaste a outra mulher? Presenteaste-a?

— É negócio, Ana, não vais entender! — a voz dele tremeu, manchas vermelhas surgiram no rosto. — É um investimento! No meu futuro! Na minha liberdade!

No dele. Não no nosso. Apagou-me da vida dele com tanta facilidade.

— Compreendo — acenei. — Sou contabilista, não é? Sei tudo sobre investimentos. Principalmente os de alto risco.

Olhei para ele, e dentro de mim não havia dor nem raiva. Só cálculo frio e preciso.

Ele não sabia que eu preparei a resposta durante dez anos. Desde o dia em que vi pela primeira vez no telemóvel dele: «Estou à tua espera, gatinha». Não gritei naquele dia. Apenas criei um novo ficheiro no computador e chamei-lhe «Fundo de Reserva».

— Transferiste a tua parte no capital social por doação? — perguntei, como se falasse do tempo.

— O que te importa? — explodiu. — Acabou! Arruma as tuas coisas!

— Só curiosidade — sorri ligeiramente. — Lembras-te daquela cláusula nos estatutos que acrescentámos em 2012? Quando expandimos a empresa?

Sobre a transferência de quotas sem consentimento notarial de todos os sócios?

Miguel parou. O sorriso desfez-se como uma máscara. Não se lembrava. Claro que não. Nunca lia os documentos que eu lhe passava. «Ana, está tudo certo? Assino, confio em ti.»

Assinava, confiante na minha lealdade. E tinha razão — eu era leal. Leal ao plano. Até à última vírgula.

— Que disparate! — riu-se nervosamente, mas o riso saiu rouco. — Que cláusula? Nunca existiu.

— Existiu. Lda. «Horizonte». Nós somos os sócios. Cinquenta por cento cada. Cláusula 7.4, alínea b. Qualquer transferência de quotas — venda, doação — é nula sem o meu consentimento por escrito, reconhecido por notário.

Falei baixo, pausado, como uma lição para uma criança. Cada palavra fincava-se na mente dele como um prego.

— Estás a mentir! — ele agarrou o telemóvel. — Vou ligar ao Vítor!

— Liga — encolhi os ombros. — Vítor Eduardo. Ele próprio autenticou esses estatutos. Guarda tudo. É meticuloso.

Miguel ficou imóvel. Percebeu que eu não estava a brincar. Vítor estava connosco desde o início. Não era homem dele. Era homem da lei.

Marcou o número. Ouvi pedaços: «Vítor, a Ana diz que… os estatutos de 2012… a cláusula da transferência…» Afastou-se para a janela, de costas para mim. Os ombros ficaram tensos. Via-o apertar o telemóvel como se quisesse parti-lo. A conversa foi curta.

Quando se virou, o rosto mostrava pânico.

— Isto… é impossível! Vou recorrer ao tribunal! Nunca tiveste parte! Tudo estava em meu nome!

— Recorre — concordei. — Mas lembra-te: a tua doação não vale nada. Mas tentativa de desvio de ativos pelo diretor-geral? Crime económico. Fraude em larga escala.

Ele desabou na cadeira. O predador já não fingia. Diante de mim, um animal encurralado.

— O que queres? — rosnou. — Dinheiro? Quanto? Dou-te uma indemnização!

— Não quero o teu dinheiro, Miguel. Quero o que me pertence por direito. Os meus cinquenta por cento. E vou tê-los. E tu… ficas com o que trouxeste há quinze anos. Com a mala e as dívidas.

— Eu criei esta empresa!

— Tu foste a cara dela — corrigi. — Mas quem a construiu fui eu. Cada contrato, cada fatura, cada imposto. Enquanto tu «trabalhavas» com a Marta no hotel.

Ele levantou-se de um salto, derrubando a cadeira.

— Vais pagar por isto, Ana! Vou destruir-te!

— Antes de me destruíres — falei baixo —, liga à tua Marta. Pergunta se recebeu a notificação de cobrança antecipada do empréstimo.

Miguel ficou paralisado.

— Que empréstimo? Eu comprei-lhe a casa a dinheiro!

— Não — balancei a cabeça, sorrindo com o meu sorriso mais profissional. — Não compraste. Convenceste-me de que era bom para a empresa investir em imóveis. A «Horizonte» comprou a casa. Depois «vendeu-a» à tua amante. Ela assinou um contrato de crédito com a nossa própria empresa — pelo valor total. Com a casa como garantia.

Preparaste os documentos, Miguel. A tua ideia, lembras-te? Eu só a tornei real.

— E ontem, como única sócia legítima, iniciei o processo de cobrança da dívida.

A tua Marta tem trinta dias para pagar. Se não o fizer, a casa volta para a empresa. Ou seja, para mim.

O rosto dele deformou-se, como se uma máscara de cera derretesse em fúria e terror. Olhou para mim como para um fantasma — não para a Ana quieta e submissa que tolerou tudo em silêncio, mas para alguém frio, calculista, perigoso.

Agarrou o telemóvel, sem desviar os olhos de mim, e marcou o número.

— Marta? Sou eu. Escuta bem… O quê? Que notificação? Do que estás a falar?

Observei o pânico dele com interesse quase científico. A voz, primeiro autoritária, depoisEla terminou a chamada com um clique seco, e o silêncio que se seguiu foi tão absoluto quanto a minha vitória.

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