Diogo Almeida tinha tudo o que um homem podia desejar—riqueza, estatuto e uma mansão luxuosa nos arredores de Lisboa. Era o fundador de uma das empresas de cibersegurança mais bem-sucedidas do país e passara quase duas décadas a construir o seu império. Mas, apesar do sucesso, havia um vazio que ecoava pela sua grandiosa casa—uma ausência que nem o melhor vinho nem a arte mais valiosa conseguiam preencher.
Todas as manhãs, Diogo percorria o mesmo caminho para o escritório, passando pelo bairro histórico da cidade. Ultimamente, um grupo de crianças sem-abrigo começara a juntar-se perto de uma pastelaria que exibia fotografias de casamentos locais na montra. Uma imagem em particular—a foto do próprio casamento de Diogo, tirada dez anos antes—estava orgulhosamente exposta no canto superior direito do vidro. Fora tirada pela irmã do dono da pastelaria, uma fotógrafa amadora, e Diogo permitira que fosse ali colocada porque capturava o dia mais feliz da sua vida.
Essa felicidade, no entanto, não durara. A sua mulher, Beatriz, desaparecera seis meses após o casamento. Sem pedido de resgate, sem rasto. A polícia considerou o desaparecimento “suspeito”, mas sem provas, o caso ficou arquivado. Diogo nunca voltou a casar. Enterrou-se no trabalho e construiu uma fortaleza digital, mas o seu coração permanecia preso à pergunta sem resposta: O que acontecera a Beatriz?
Numa manhã chuvosa de quinta-feira, Diogo seguia num carro com motorista para uma reunião quando o trânsito abriu vagarosamente perto da pastelaria. Pela janela escurecida, viu um rapaz—não teria mais de dez anos—descalço no passeio, encharcado pela chuva. O rapaz olhava fixamente para a foto de casamento na montra. Diogo observou-o distraidamente… até que o miúdo apontou para a foto e disse ao vendedor ambulante ao lado:
“Essa é a minha mãe.”
O coração de Diogo acelerou.
Abaixou um pouco o vidro. O rapaz era magro, com cabelo escuro desgrenhado e uma camisola três vezes maior do que o seu tamanho. Diogo estudou o seu rosto, sentindo uma inquietação no estômago. O rapaz tinha os olhos de Beatriz—castanhos claros com reflexos verdes.
“Ei, miúdo,” chamou Diogo. “O que é que acabaste de dizer?”
O rapaz virou-se para ele e pestanejou. “Essa é a minha mãe,” repetiu, apontando novamente para a foto. “Ela cantava para mim à noite. Lembro-me da sua voz. Um dia, desapareceu.”
Diogo saiu do carro, ignorando os avisos do motorista. “Como te chamas, filho?”
“Tomás,” respondeu o rapaz, tremendo.
“Tomás…” Diogo ajoelhou-se à sua altura. “Onde é que moras?”
Os olhos do rapaz baixaram para o chão. “Em nenhum sítio. Às vezes debaixo da ponte. Outras vezes junto aos carris.”
“Lembras-te de mais alguma coisa sobre a tua mãe?” perguntou Diogo, tentando disfarçar a emoção na voz.
“Ela gostava de rosas,” disse Tomás. “E tinha um colar com uma pedra branca. Parecia uma pérola.”
O coração de Diogo apertou. Beatriz tinha de facto um colar com uma pérola—um presente da mãe dela. Uma peça única, difícil de esquecer.
“Preciso de te perguntar uma coisa, Tomás,” Diogo falou devagar. “Lembras-te do teu pai?”
O rapaz abanou a cabeça. “Nunca o conheci.”
Nesse momento, a dona da pastelaria saiu, curiosa com o alvoroço. Diogo virou-se para ela. “Já viu este rapaz por aqui antes?”
Ela assentiu. “Sim, aparece de vez em quando. Nunca pede dinheiro. Só fica a olhar para aquela foto.”
Diogo ligou à assistente e cancelou a reunião. Levou Tomás a um café próximo e pediu-lhe uma refeição quente. Durante o almoço, fez mais perguntas. Tomás não se lembrava de muito—apenas fragmentos. Uma mulher a cantar, um apartamento com paredes verdes, um ursinho chamado Bento. Diogo ficou ali, pasmado, como se o destino lhe tivesse entregue uma peça partida de um puzzle que julgara perdido para sempre.
Um teste de ADN confirmaria o que Diogo já suspeitava no fundo do coração.
Mas antes do resultado, uma pergunta o deixou acordado naquela noite:
Se este rapaz é meu… onde esteve Beatriz durante dez anos? E por que nunca voltou?
O teste de ADN chegou três dias depois. O resultado atingiu Diogo como um raio.
99,9% de correspondência: Diogo Almeida é o pai biológico de Tomás Esteves.
Diogo ficou em silêncio, atordoado, enquanto a assistente lhe entregava a pasta. O rapaz—aquele miúdo magricela e silencioso que apontara para uma foto na montra—era seu filho. Um filho que nunca soube existir.
Como é que Beatriz podia estar grávida? Ela nunca mencionara. Mas, afinal, desaparecera apenas seis meses após o casamento. Talvez ela soubesse e não tivesse tido tempo de lhe contar. Ou talvez… tivesse tentado. E algo—ou alguém—a tivesse silenciado antes que pudesse.
Diogo iniciou uma investigação privada. Com os seus recursos, não demorou muito. Um detetive reformado, Artur Teixeira, que trabalhara no desaparecimento de Beatriz, foi contratado. Ele mostrou-se cético ao reencontrar Diogo, mas interessou-se pelo rapaz e pela nova pista.
“O rasto de Beatriz esfriou na altura,” disse Artur. “Mas a menção a uma criança muda tudo. Se ela estava a tentar proteger o bebé… pode explicar o desaparecimento.”
Em uma semana, o investigador descobriu algo inesperado.
Beatriz não desaparecera completamente. Sob o nome falso de “Margarida Esteves”, fora vista num abrigo para mulheres a duas horas de Lisboa—há oito anos. Os registos eram vagos, provavelmente por privacidade, mas um destacava-se: uma foto de uma mulher de olhos verdes-claros, segurando um recém-nascido. O nome do bebé? Tomás.
Artur seguiu o rasto até uma pequena clínica nos arredores. Beatriz fizera consultas de gravidez com um nome falso, mas desaparecera a meio do tratamento. A partir daí, sumira de novo.
O coração de Diogo acelerou enquanto as pistas se acumulavam. Ela estivera a fugir. Mas de quê?
A revelação veio de um nome escondido num relatório policial: Rui Valente, o ex-namorado de Beatriz. Diogo lembrava-se vagamente dele—nunca o conhecera, mas Beatriz dissera que Rui era controlador e manipulador, alguém de quem se afastara antes de conhecer Diogo. O que Diogo não sabia era que Rui fora libertado da prisão três meses antes do desaparecimento de Beatriz.
Artur encontrou documentos judiciais que mostravam que Beatriz pedira uma ordem de restrição contra Rui duas semanas antes de desaparecer—mas o processo nunca foi concluído. Nenhuma ação, nenhuma proteção.
A teoria formou-se rapidamente: Rui encontrou Beatriz, ameaçou-a, talvez até a atacou. E, com medo pela vida—e pela do filho—ela fugiu. Mudou de identidade. Escondeu-se.
Mas por que estava Tomás nas ruas?
Outra reviravolta: há dois anos, Beatriz fora declarada legalmente morta. Um corpo aparecera numa praia próximo, e devido às semelhanças físicas e às roupas encontradas—iguais às que Beatriz usava no dia do desaparecimento—a polícia encerrou o caso. Mas não havia registos dentários. Não era ela.
Artur localizou a mulArtur encontrou Carla, a mulher que dirigira o abrigo onde Beatriz estivera, e ela confirmou que, na noite em que desapareceu, ouvira gritos e, ao ir ver, encontrara apenas Tomás, sozinho no berço, com uma carta escrita à pressa que dizia: “Proteja-o, por favor, ele é tudo o que me resta.”