Beatriz sempre se sentiu uma estranha na própria casa. A mãe claramente preferia as irmãs mais velhas — Carlota e Filipa —, dando-lhes muito mais atenção e carinho. Essa injustiça magoava profundamente a menina, mas ela guardava o ressentimento dentro de si, tentando constantemente agradar à mãe e conquistar um pouco do seu amor.
“Nem penses em viver comigo! O apartamento é para as tuas irmãs. E tu sempre me olhaste como uma lobinha desde pequena. Vive onde quiseres!” — com estas palavras, a mãe expulsou Beatriz de casa assim que ela fez dezoito anos.
Beatriz tentou argumentar, explicar que era injusto. Carlota era só três anos mais velha, e Filipa cinco. Ambas tinham terminado a universidade paga pela mãe; ninguém as apressara a serem independentes. Mas Beatriz sempre fora a diferente. Apesar de todos os esforços para ser “boazinha”, na família só a amavam superficialmente — se é que aquilo podia chamar-se amor. Só o avô a tratava com ternura. Ele fora quem acolhera a filha grávida após o marido a abandonar e desaparecer sem deixar rasto.
“Talvez a mãe se preocupe com a minha irmã? Dizem que me pareço muito com ela”, pensava Beatriz, tentando encontrar uma explicação para a frieza materna. Já tentara várias vezes conversar a sério com a mãe, mas sempre acabava em discussão ou drama.
Mas o avô era o seu verdadeiro apoio. As melhores memórias da infância estavam ligadas à aldeia onde passavam os verões. Beatriz adorava trabalhar na horta, aprender a ordenhar vacas, a cozer pão — tudo para adiar o regresso a casa, onde era recebida com desprezo e críticas.
“Avô, porque é que ninguém gosta de mim? O que há de errado comigo?”, perguntava ela, segurando as lágrimas.
“Eu gosto muito de ti”, respondia ele com doçura, mas nunca falava da mãe ou das irmãs.
A pequena Beatriz queria acreditar que ele tinha razão, que a amavam, só de maneira diferente… Mas quando fez dez anos, o avô faleceu, e a família passou a tratá-la ainda pior. As irmãs troçavam dela, e a mãe tomava sempre o partido delas.
A partir daí, nunca teve nada novo — só roupa usada de Carlota e Filipa. Elas gozavam:
“Oh, que blusa tão fashion! Para limpar o chão ou para a Beatriz — o que for preciso!”
E se a mãe comprava doces, as irmãs comiam tudo, entregando-lhe só os embrulhos:
“Toma, parva, colecciona os papéis!”
A mãe ouvia tudo e nunca as repreendia. Foi assim que Beatriz cresceu como uma “lobinha” — dispensável, sempre a mendigar amor de quem a via não só como inútil, mas como alvo de troça e desprezo. Quanto mais tentava ser boa, mais a odiavam.
Por isso, quando a mãe a pôs fora de casa no seu décimo-oitavo aniversário, Beatriz arranjou emprego como auxiliar de saúde num hospital. Resistência e trabalho duro tornaram-se-lhe hábito, e agora, pelo menos, era paga — ainda que pouco. Mas ali, ninguém a odiava. Se não te maltratam onde és boa, já é um avanço. Era o que ela pensava.
O patrão até lhe deu oportunidade de ganhar uma bolsa e formar-se como cirurgiã. Na pequena cidade, esses especialistas eram raros, e Beatriz já mostrara talento enquanto enfermeira.
A vida era dura. Aos vinte e sete, não tinha familiares próximos. O trabalho tornou-se a sua vida — literalmente. Vivia para os doentes cujas vidas salvava. Mas a solidão nunca a abandonava: vivia sozinha numa residência, como antes.
Visitar a mãe e as irmãs era sempre uma desilusão. Beatriz tentava ir o menos possível. Todos saíam para fumar e mexericar, e ela ia para o alpendre chorar.
Certo dia, nesse momento, um colega — o auxiliar Tiago — aproximou-se:
“Porque choras, linda?”
“Que linda… Não gozes comigo”, respondeu ela baixinho.
Considerava-se medíocre, um rato cinzento, sem reparar que, perto dos trinta, se tornara uma morena encantadora, de olhos grandes e castanhos e nariz delicado. A timidez da juventude desaparecera, os omros endireitaram-se, e o cabelo escuro, apanhado num coque rigoroso, parecia querer libertar-se.
“És mesmo bonita! Valoriza-te e não andes com a cabeça baixa. Além disso, és uma cirurgiã promissora, e a tua vida está a encaminhar-se bem”, encorajou-a.
Tiago trabalhava com ela há quase dois anos, por vezes oferecendo-lhe chocolates, mas esta foi a primeira conversa a sério. Beatriz chorou e contou-lhe tudo.
“Talvez devas ligar ao Doutor Álvaro? Aquele que salvaste há pouco. Ele trata-te bem. Dizem que tem muitos contactos”, sugeriu Tiago.
“Obrigada, Tiago. Vou tentar”, respondeu ela.
“E se não resultar, podemos casar. Tenho um apartamento, não te maltrato”, disse ele a brincar.
Beatriz corou e percebeu subitamente que ele falava a sério. Ele não via uma órfã coitada, mas uma mulher que merecia amor.
“Está bem. Vou considerar essa opção também”, sorriu, sentindo pela primeira vez em anos que não era uma “burra de carga” nem dispensável, mas uma mulher jovem e bonita, com tudo pela frente.
Nessa noite, Beatriz ligou ao Doutor Álvaro:
“É a Beatriz, a cirurgiã. Deu-me o seu número e disse que podia contactá-lo se tivesse problemas…”, começou, hesitante.
“Beatriz! Olá! Que bom que finalmente ligaste! Como estás? Mas, sabe que mais, vamos antes tomar um café. Aparece, conversamos sobre tudo. Nós, os mais velhos, gostamos de conversar”, respondeu ele calorosamente.
No dia seguinte, Beatriz tinha folga e foi logo ter com ele. Contou-lhe honestamente a sua situação e perguntou se ele conhecia alguém que precisasse de uma cuidadora.
“Entende, Doutor Álvaro, estou habituada a trabalhar duro, mas agora sinto que não aguento mais…”
“Não te preocupes, Beatriz! Consigo arranjar-te um lugar como cirurgiã numa clínica privada. E viverás comigo. Sem ti, eu não estaria aqui agora”, disse ele.
“Oh, claro, Doutor Álvaro, aceito! Mas os seus familiares não se importarão?”
“Os meus familiares só aparecem quando eu morrer. Só querem saber do apartamento”, respondeu ele, triste.
Começaram então a viver juntos. Dois anos passaram, e um romance floresceu entre ela e Tiago, muitas vezes a conversar em longas sessões de café. Mas o Doutor Álvaro não gostava de Tiago e não perdia oportunidade de dizer a Beatriz:
“Desculpa, querida, mas o Tiago é um bom rapaz, só que fraco e demasiado influenciável. Não podes confiar em alguém assim. Tenta não criar muitas expectativas.”
“Oh, Doutor Álvaro… Já é tarde. Já decidimos casar. Aliás, ele propôs-me a brincar há dois anos. E agora estou grávida…”, anunciou Beatriz, radiante de felicidade. Soubera disso há pouco, mas acrescentou logo: “Mas o senhor continua muito importante para mim! Vou visitá-lo todos os dias. É como família.”
“Ora bem, Beatriz… Não me sinto bem. Vamos resolver isto: amanhã vamos ao notário, e eu registo uma casa na aldeia em teu nome. SemAgora, com a casa que era dela por direito e o bebé a caminho, Beatriz finalmente encontrou o lar que sempre mereceu, longe de quem nunca a soube amar.