Há muito tempo, quando o nosso cão da raça Serra da Estrela, Bento, não parava de ladrar para a babá, pensámos que fosse ciúme. Talvez até agressividade. Chegámos a sussurrar sobre dar-lhe outro lar. Mas numa noite, revi as filmagens de segurança. O que vi fez-me gelar o sangue. Bento não estava a portar-se mal. Estava a proteger a nossa filha.
A minha mulher, Rosa, e eu esperámos anos pela nossa bebé milagre, Leonor. A vida parecia finalmente perfeita — até o comportamento de Bento mudar.
Ele recusava-se a afastar-se do berço de Leonor, vigiando-a como um soldado em guarda. A princípio, foi doce. Mas quando contratámos uma babá, Marta, tudo mudou.
Desde o momento em que ela entrou, Bento rosnou. Bloqueou-lhe o caminho, ladrou quando ela pegou em Leonor, chegou mesmo a mostrar os dentes. Estávamos divididos entre o cansaço e o medo — talvez Bento tivesse enlouquecido.
Até que uma noite, Marta ligou-nos em pânico enquanto estávamos fora: “O Bento tentou atacar-me!” Corremos para casa e encontrámos-a pálida, a segurar Leonor, enquanto Bento se sentava calmamente atrás do portão. Algo não batia certo.
Puxei as filmagens de segurança. Foi então que a verdade me atingiu.
Marta escondera um tablet e estava a transmitir ao vivo a rotina de Leonor a desconhecidos na internet. Ignorou a tosse de Leonor — até engasgar-se — porque estava colada ao ecrã. Bento ladrou, empurrou o berço e, por fim, rosnou perto da sua perna para a assustar. Só então ela pegou em Leonor.
Ele não estava a atacar. Estava a salvar a nossa bebé.
Na manhã seguinte, Rosa mostrou a Marta uma imagem das filmagens. Marta gelou, virou-se e saiu sem dizer uma palavra. Denunciámos a transmissão e cortámos todo o contacto.
Nessa noite, Bento enroscou-se ao lado do berço de Leonor, a cauda a bater suavemente. Colocámos uma medalha prateada na sua coleira, gravada com as palavras: “Guardião da Leonor.”
Porque Bento não era o problema.
Era o herói.