Não pensámos que ele aguentaria até de manhã.
Os níveis de oxigénio estavam terríveis, e os ataques de tosse pioravam a cada hora. As enfermeiras disseram para manter o quarto calmo e silencioso, mas ele continuava a murmurar uma palavra, sem parar:
“Bolinha… Bolinha…”
No início, pensámos que fosse o nome de um filho. Talvez um amigo da guerra. Mas quando me aproximei e perguntei baixinho quem era Bolinha, os seus lábios ressequidos moveram-se o suficiente para dizer: “O meu menino bom. Tenho saudades do meu menino bom.”
Foi aí que percebi. Liguei à filha dele, que vinha a caminho de outra região, e perguntei se Bolinha era um cão.
A voz dela embargou.
“Um Golden Retriever. Treze anos. Tivemos de deixá-lo com o meu irmão enquanto o pai esteve no hospital.”
Depois de alguns telefonemas e alguns olhares surpreendidos, a enfermeira-chefe fez um milagre acontecer. E duas horas mais tarde, no meio dos aparelhos a apitar e da luz fria do neon, entraram patas almofadadas—era Bolinha.
No momento em que o cão o viu, foi como se o resto do mundo deixasse de existir.
E, quando Bolinha saltou para o seu colo, com o rabo a abanar e o focinho encostado devagarinho ao peito dele…
Foi aí que o velho finalmente abriu os olhos outra vez.
Mas o que ele disse a seguir—
“Bolinha, encontraste-a?”
Todos na trocaram olhares confusos. A filha pestanejou e sussurrou: “Quem é ‘ela’?”
Bolinha, claro, não respondeu—apenas lambeu a mão enrugada dele e aconchegou-se mais. Mas o velho—chamava-se Artur—parecia agora mais presente. A respiração acalmou. Os dedos afundaram-se lentamente no pelo do cão.
“Ele encontrou-a uma vez,” murmurou Artur. “Na neve. Quando ninguém mais acreditou em mim.”
Assumimos que eram os remédios. Ou a confusão da morfina. Mas eu sabia que havia uma história ali enterrada. E algo na forma como ele falou—tão meigo, tão triste—fez-me querer saber o que acontecera.
Não tive de esperar muito.
Nos dias seguintes, Artur estabilizou. Não uma recuperação total, mas suficiente para ficar acordado, comer algumas colheres de sopa, e conversar de vez em quando. E Bolinha nunca saiu do seu lado. O cão deitava-se junto à cama, observava as enfermeiras com cuidado, e erguia as orelhas sempre que Artur falava.
Foi no terceiro dia que ele me chamou.
“Tem um minuto, enfermeira?” perguntou. Aproximei a cadeira.
“Alguma vez acreditou que um cão pode salvar uma vida?”
Sorri. “Acho que estou a ver a prova agora mesmo.”
Artur riu-se, cansado. “Bolinha não me salvou. Salvou-a a ela.”
Inclinei a cabeça. “Ela… a sua esposa?”
Ele abanou a cabeça lentamente. “A minha vizinha. A Leonor. Foi há anos. Doze, talvez? Ela desapareceu. Todos pensaram que fugira. Mas eu sabia que não.”
Os meus olhos arregalaram-se. Um desaparecimento?
“Tinha dezasseis anos,” continuou. “Problemática. Mas doce. Às vezes vinha passear o Bolinha quando a artrite me atacava. Costumávamos conversar no alpendre. Chamava-me ‘Sr. A.’ Dizia que eu lhe lembrava o avô.”
“E depois desapareceu?” perguntei, suave.
Ele assentiu. “A polícia achou que fugira com algum rapaz. A mãe não se importou. Disse que ela sempre foi rebelde. Mas eu… não conseguia deixar de sentir que algo estava errado.”
Parou para tossir, e Bolinha ergueu a cabeça, sentindo a mudança na respiração dele.
“Levava o Bolinha comigo todas as manhãs. Percorríamos a beira da cidade, a mata, até mesmo a pedreira abandonada. As pessoas achavam que eu era louco.”
Ouvi atentamente. Ele agora sussurrava, como se tivesse medo que a história se perdesse no ar.
“Então, uma manhã, Bolinha parou. Ficou imóvel junto a uma ravina. Não se mexia. Ladrou, uma vez. Depois duas. E eu olhei para baixo e vi—o lenço dela. Enredado num arbusto.”
Respirou fundo, com dificuldade. “Encontrámo-la num barranco. Gelada. A tremer. Mas viva.”
O meu coração apertou. “O que aconteceu com ela?”
“O padrasto raptara-a,” disse. “Andava a maltratá-la há anos. Naquela noite, ela tentou fugir. Ele perseguiu-a até à mata, deixou-a inconsciente. Abandonou-a para morrer. Mas o Bolinha—ele encontrou-a.”
Não sabia o que dizer. Fiquei ali, a deixar as palavras penetrarem.
“Ela ficou comigo depois disso,” acrescentou Artur. “Por um tempo. Até que arranjaram um lugar melhor para ela. TroE, quando a pequena filha de Leonor—agora chamada Inês—colocou uma flor no túmulo de Artur, Bolinha sentou-se ao lado, com os olhos tão cheios de compreensão como sempre, e o vento levou as suas últimas palavras sussurradas para longe, como uma promessa de que o amor nunca verdadeiramente se perde.