O céu estava pesado no dia do funeral, como se o próprio tempo compartilhasse a dor daqueles que se despediam. A brisa suave agitava as folhas das árvores no Cemitério dos Prazeres, em Lisboa. Tudo parecia comum, como em qualquer outro velório — até o momento em que quatro homens tentaram levantar o caixão.
Era um caixão luxuoso, de madeira escura e bem polida, com grandes alças de metal. Dentro repousava a jovem mulher, a sua morte ainda um choque para todos. Catarina Mendes, linda, inteligente, de coração generoso, tinha apenas vinte e dois anos. Oficialmente, um acidente. Mas os murmúrios entre os presentes contavam outra história. Alguns juraram tê-la visto chorar na véspera, outros sussurravam sobre ameaças que ela teria feito. Ninguém sabia ao certo. A família insistira num adeus rápido.
Quando chegou a hora de baixar o caixão à terra, os homens posicionaram-se, agarraram as alças — e então…
“Um, dois, três!” ordenou um deles.
O caixão mal se moveu.
“De novo!” insistiu, suando. “Um, dois, três!”
Esforçaram-se, gemeram, mas não conseguiram erguê-lo. Era como se estivesse cheio de pedras.
“Mas que diabo…?” murmurou um dos carregadores, enxugando a testa. “Pesa como se tivesse três corpos lá dentro!”
Os homens trocaram olhares inquietos. À volta, os convidados começaram a murmurar:
“Isto não é normal…”
“Alguém já viu coisa assim?”
“Nunca.”
Um dos funcionários da funerária baixou a voz:
“Já carreguei dezenas de caixões. Até de homens bem-grandes. Mas assim… nunca. Não devia pesar tanto.”
Foi então que a mãe da rapariga, vestida de preto, o rosto marcado por uma dor gelada, avançou. Olhou para os homens, depois para o caixão.
“Abram-no,” disse, com frieza.
“Tem certeza?” tentou um funcionário.
“Abram. Agora.”
Eles hesitaram, mas obedeceram. Desapertaram os parafusos e levantaram ligeiramente a tampa.
O que viram dentro paralisou-os de horror.
Catarina estava serena, vestida de branco, flores entre as mãos. O seu rosto parecia tranquilo. Tudo como devia ser. Mas o interior do caixão tinha um relevo estranho, mais alto que o normal. Sob o forro, uma saliência. Um dos homens levantou cuidadosamente o revestimento.
Nesse instante, todos recuaram.
Naquele compartimento escondido, envolto num plástico negro… estava o corpo de um homem. De meia-idade, com uma tatuagem no pescoço e marcas no rosto. Já começava a decompor-se, mas os traços ainda eram reconhecíveis. O cheiro era forte, químico.
“Santo Deus… há outro cadáver aqui!” exclamou um dos funcionários.
“Isto… isto já não é um ‘segredo’. Isto é um crime,” alguém murmurou.
A mãe de Catarina baixou a cabeça.
“Não sei quem é este homem. Ele… não devia estar aqui.”
Os trabalhadores empalideceram.
“Impossível. Recebemos o caixão fechado e lacrado…”
“Quem organizou o transporte?” perguntou um dos presentes, em tom cortante.
“Uma empresa privada. Um intermediário. O pedido veio por e-mail. Pagamento em dinheiro.”
Silêncio.
Alguém tirou o telemóvel e ligou para a polícia.
Mais tarde, na esquadra, descobriram: o homem no caixão era o antigo contabilista de uma construtora, desaparecido há dias. A empresa estava sob investigação por fraude, desvio de fundos e contratos falsos. Segundo fontes, ele preparara um dossiê para a acusação. Depois… sumira.
A investigação revelaria: uma funerária falsa, com documentos forjados, recebera a encomenda para o “transporte técnico” de um caixão lacrado.
A verdadeira Catarina foi enterrada — sim. Mas, sob ela, aproveitaram-se do funeral para esconder o corpo do homem que poderia ser a testemunha-chave.
Sobrou apenas um rastro: na fita plástica do segundo corpo, uma impressão parcial de uma luva. Foi o suficiente para começar.
A mãe de Catarina jurou até ao fim: não sabia de nada. E era fácil acreditar — mal sobrevivera à dor da perda.
Mas alguém explorou aquele luto, aquela confusão… e decidiu que o melhor lugar para esconder um segredo era onde ninguém escavaria — no fundo de uma campa, sob outro corpo.