Não achávamos que ele sobreviveria à noite.
Os níveis de oxigênio estavam terríveis, e os ataques de tosse só pioravam. As enfermeiras disseram para manter o quarto calmo, mas ele murmurava uma palavra, repetidamente:
“Bolinhas… Bolinhas…”
No início, pensámos que fosse um filho. Talvez um velho companheiro de guerra. Mas quando me aproximei e perguntei baixinho quem era Bolinhas, seus lábios ressecados moveram-se o suficiente para dizer: “Meu bom menino. Sinto falta do meu bom menino.”
Foi aí que percebi. Liguei para a filha dele, que vinha a caminho de outra região, e perguntei se Bolinhas era um cão.
Ela emocionou-se.
“Labrador. Treze anos. Tivemos que deixá-lo com o meu irmão enquanto o pai está no hospital.”
Foram precisos alguns telefonemas e alguns olhares desconfiados, mas a enfermeira-chefe resolveu a situação. E algumas horas depois, no meio de máquinas a apitar e luzes fluorescentes, chegou Bolinhas, com as patinhas amortecidas.
No momento em que o cão o viu, foi como se nada mais importasse.
E quando Bolinhas subiu para o colo dele, abanando o rabo, o focinho pressionado suavemente contra o peito…
Foi então que o velho abriu os olhos outra vez.
Mas o que ele disse a seguir—
“Bolinhas, encontraste-a?”
Todos na trocaram olhares perplexos. A filha piscou para mim e sussurrou: “Quem é ‘ela’?”
Bolinhas não respondeu, claro, apenas lambeu a mão enrugada do homem e aconchegou-se mais. Mas o velho—chamava-se António—parecia de repente mais desperto. A respiração acalmou. Os dedos enrolaram-se suavemente no pelo do cão.
“Ele encontrou-a uma vez,” disse António com voz baixa. “Na neve. Quando ninguém mais acreditou em mim.”
Assumimos que eram os remédios. Talvez confusão da morfina. Mas eu sabia que havia uma história ali. E algo na forma como ele falou—tão terno, tão triste—fez-me querer saber o que acontecera.
Não tive que esperar muito.
Nos dias seguintes, António estabilizou. Não uma recuperação total, mas o suficiente para ficar consciente, comer algumas colheres de sopa e conversar de vez em quando. E Bolinhas nunca saiu do seu lado. O cão encolhia-se ao pé da cama, observava as enfermeiras atentamente e animava-se sempre que António falava.
Foi no terceiro dia que ele me chamou.
“Tem um minuto, enfermeira?” perguntou. Aproximei a cadeira.
“Já acreditou que um cão pode salvar uma vida?” ele disse.
Sorri. “Acho que estou a viver a prova disso agora.”
António riu-se, cansado. “Bolinhas não me salvou. Salvou-a a ela.”
Inclinei a cabeça. “Ela… a sua esposa?”
Ele abanou a cabeça, devagar. “A minha vizinha. A Leonor. Foi há anos. Talvez doze? Ela desapareceu. Todos pensaram que tinha fugido. Mas eu sabia que não.”
Meus olhos arregalaram-se. Pessoa desaparecida?
“Ela tinha dezasseis anos,” continuou. “Problemática. Mas doce. Às vezes vinha passear o Bolinhas quando as minhas dores nas articulações pioravam. Costumávamos sentar-nos na varanda e conversar. Ela chamava-me ‘Sr. T.’ Dizia que eu lembrava o avô dela.”
“E depois ela desapareceu?” perguntei, suavemente.
Ele acenou. “A polícia achou que ela tinha ido com algum rapaz. A mãe não fez nada. Disse que ela sempre foi rebelde. Mas eu… eu não conseguia deixar de sentir que algo estava errado.”
Ele parou para tossir, e Bolinhas ergueu a cabeça, sentindo a mudança na respiração de António.
“Levei o Bolinhas comigo todas as manhãs. Andámos pela periferia da cidade, pelos bosques, até pela pedreira abandonada. Achavam que eu era louco.”
Ouvi atentamente. Ele agora sussurrava, como se temesse que a história se perdesse no ar.
“Então, uma manhã, o Bolinhas parou. Ficou imóvel perto de um barranco. Não se mexia. Ladrou, uma vez. Depois outra. E eu olhei para baixo e vi—o lenço dela. Enroscado num arbusto.”
Ele respirou, tremendo. “Encontrámo-la num vale. Gelada. A tremer. Mas viva.”
Meu coração apertou. “O que lhe aconteceu?”
“Foi raptada,” ele disse. “Pelo padrasto. Ele maltratava-a há anos. Naquela noite, ela tentou fugir. Ele perseguiu-a até à floresta, deixou-a lá para morrer de frio. Mas o Bolinhas—ele encontrou-a.”
Não sabia o que dizer. Fiquei ali, deixando as palavras afundarem.
“Ela ficou comigo depois disso,” António acrescentou. “Por um tempo. Até o sistema encontrar um lugar melhor para ela. EE foi assim que Bolinhas, o velho António e a Leonor, agora uma mulher forte, provaram que o amor e a lealdade podem atravessar o tempo e a distância, deixando uma marca eterna em quem acredita nos pequenos milagres do dia a dia.