A primeira vez que conheci o Duarte foi num café nos arredores de Sintra. Ele equilibrava um telefonema, um saco de pastéis de nata e uma carteira que teimava em não colaborar. Quando os cartões de crédito dele se espalharam pelo chão, curvei-me para ajudá-lo.
“Obrigado,” disse ele, envergonhado. “Juro que normalmente não sou tão desastrado.”
Sorri. “Toda a gente tem dias assim.”
Foi assim que começou. Duarte tinha uma presença serena que parecia um bálsamo para o caos a que eu estava habituada. Lembrava-se que eu gostava de canela no galão, mandava sempre mensagem a perguntar se tinha chegado bem a casa e nunca me fazia sentir que precisava de merecer o seu afeto.
Depois de anos a namorar homens emocionalmente indisponíveis, que tratavam as relações como distrações passageiras, Duarte parecia algo sólido. Como um lar.
“Tenho um filho,” disse ele durante o jantar, no nosso terceiro encontro. “O Tomás. Tem treze anos. A mãe dele foi-se embora quando ele tinha oito. Temos andado os dois, só nós, há algum tempo.”
“Adorava conhecê-lo,” respondi.
O rosto dele iluminou-se. “A sério? A maioria das mulheres foge.”
“Eu não fujo,” sorri. “A menos que me dês um bom motivo.”
Conhecer o Tomás foi… complicado. Ele era educado, sim. Mas distante. Fechado. Como se tivesse construído uma fortaleza emocional com placas a dizer “Proibido Entrar” em cada esquina.
“O teu pai disse que gostas de astronomia,” arrisquei certa noite, durante o jantar.
“Às vezes,” respondeu.
“Eu adorava observar as estrelas. Talvez pudéssemos—”
“Costumo fazer isso sozinho.”
Duarte deu-lhe um olhar severo. “Tomás, sê educado.”
“Estou a ser educado, pai.”
E estava. Tecnicamente. Mas nunca me deixou entrar. Respondia às perguntas com expressão vazia, chamando-me sempre “senhora”, como se eu fosse uma professora e não alguém que queria criar laços.
Noutra noite, ofereci-me para ajudá-lo com os trabalhos de casa. Ele olhou para mim e disse, sem emoção: “Não és a minha mãe.”
“Eu sei,” respondi com suavidade. “Não estou a tentar ser.”
Ele segurou o meu olhar por um instante, depois voltou-se para a matemática. Aquela parede entre nós nunca rachou.
Ainda assim, continuei a tentar. E Duarte assegurava-me: “Ele vai dar-se contigo. A vida não tem sido fácil para ele. Precisa de tempo.”
Eu acreditei nele.
Noivámos numa tarde chuvosa de novembro. Ele pediu-me em casamento no nosso restaurante preferido, de joelhos, com as mãos a tremer e os olhos cheios de lágrimas. Eu disse que sim, com o coração cheio de esperança.
Quando contámos ao Tomás, ele forçou um sorriso e murmurou: “Parabéns.”
Por um breve momento, pensei que estávamos a progredir.
Estava enganada.
A manhã do casamento era perfeita. O jardim do recinto brilhava sob o sol da manhã, com rosas brancas a cair sobre os arcos. O meu vestido parecia ter sido feito por magia, a maquilhagem estava impecável e tudo parecia saído de um sonho.
Exceto que eu não conseguia parar de andar de um lado para o outro.
Estava a verificar o meu ramo pela décima vez quando bateram à porta do quarto da noiva.
“Entrem!” chamei, esperando a minha madrinha.
Em vez dela, era o Tomás.
Ele parecia desconfortável no fato, a mudar o peso de um pé para o outro, o rosto pálido.
“Olá,” murmurou. “Podemos falar? A sós?”
“Claro. Está tudo bem?”
“Não aqui. Podemos ir lá para fora?”
Segui-o por um corredor lateral até ao pátio do jardim. Os convidados conversavam ao longe, mas ali estava tudo em silêncio.
“Tomás, o que se passa?”
Ele olhou para mim, os olhos escuros cheios de uma tensão que eu não entendia.
“Não cases com o meu pai.”
As palavras caíram-me como água gelada.
“O quê?”
“Sei que podes pensar que estou a ser infantil,” falou depressa. “Ou que não gosto de ti. Mas eu gosto. És simpática e divertida e fazes panquecas melhores do que toda a gente que eu conheço. E nunca gritas quando eu me esqueço de tirar os sapatos cheios de lama.”
“Então… porque estás a dizer isto?”
“Porque ele vai magoar-te.”
A minha garganta apertou-se. “Tomás, do que estás a falar?”
Ele meteu a mão no casaco e tirou um envelope grosso. De mãos trémulas, entregou-mo.
“Não sabia como te contar. Mas precisas de ver isto.”
Dentro havia avisos de dívidas, documentos de processos judiciais e emails trocados entre Duarte e alguém chamado Rui.
Os emails fizeram-me a pele arrepiar.
“Não tem família, a casa é dela e tem uma boa conta poupança. Casa com ela, espera dois anos, alega danos emocionais e ficas com metade. Fácil, pá.”
“Está a cair depressa. Eu disse-te — o charme funciona. Estou enterrado em dívidas. Isto salva-me.”
Fiquei a olhar para as palavras até elas desfocarem.
“Há quanto tempo sabias?” perguntei.
“Ouvi-o a falar com o tio Rui ao telefone há semanas,” sussurrou. “Estava a gabar-se disso… de como ia convencer-te a passar tudo para o nome dele. No início não acreditei. Quis pensar que tinha percebido mal.”
Olhei para ele, com lágrimas a ameaçarem cair.
“E tu… o quê? Roubaste-lhe o telemóvel?”
Ele acenou. “Ele é descuidado. Sei o código. Tirei capturas de ecrã, imprimi na escola. Queria ter-te dito mais cedo, mas achei que, se fosse frio o suficiente, tu irias embora.”
“Oh, Tomás…”
“Não sabia o que fazer. Não queria estragar tudo se estivesse enganado. Mas tinha de te contar antes que fosse tarde.”
“Não estavas enganado,” disse eu, puxando-o para um abraço. “Estavas a tentar proteger-me.”
Liguei ao Miguel, um velho amigo e advogado, que devia levar-me ao altar. Quando lhe mostrei o envelope, o rosto dele empalideceu.
“Preciso de um acordo pré-nupcial irrefutável,” disse-lhe. “Tudo o que é meu fica meu. Sem falhas.”
“Tens a certeza?”
“Totalmente.”
Ele redigiu-o e levou-o ao Duarte.
Minutos depois, ouvi os gritos a ecoar pelo recinto.
Duarte entrou furioso no quarto da noiva, o rosto vermelho e a tremer.
“Que raio é isto?! Um pré-nupcial? Agora?”
“Assina,” disse calmamente.
“Absolutamente não. Isto é um insulto.”
“Então não há casamento.”
O rosto dele contorceu-se. “Catarina, eu amo-te.”
“Adoras a ideia de esvaziar a minha conta e começares de novo sem dívidas.”
“Isso é uma loucura!”
Mostrei-lhe o envelope. “Eu sei tudo, Duarte. Os emails. As dívidas. O plano.”
O rosto dele passou da fúria ao puro pânico.
“Isso… não é o que parece.”
“Não?” perguntei. “Porque o teu próprio filho confirmou.”
Duarte virou-se para o Tomás, queDuarte fitou o filho com olhos de raiva, mas Tomás não se mexeu, firme como uma estátua, e eu entendi então que, enquanto ele estivesse ao meu lado, eu nunca estaria verdadeiramente sozinha.