Há cinco anos que eu e o Ricardo estávamos casados. Desde o primeiro dia em que me tornei a sua esposa, habituéi-me às suas palavras frias e aos seus olhares indiferentes. O Ricardo não era violento nem gritava, mas a sua apatia fazia o meu coração murchar um pouco mais a cada dia.
Depois do casamento, vivíamos na casa dos pais dele, num bairro de Lisboa. Todas as manhãs, acordava cedo para cozinhar, lavar roupa e limpar. Todas as noites, sentava-me e esperava que ele chegasse a casa, só para ouvi-lo dizer:
“Já comi.”
Muitas vezes perguntei-me se aquele casamento era diferente de ser uma inquilina. Tentei construir, tentei amar, mas tudo o que recebi em troca foi um vazio invisível que não conseguia preencher.
Até que um dia, o Ricardo chegou a casa com um rosto impassível. Sentou-se à minha frente, entregou-me os papéis do divórcio e disse, com voz seca:
“Assina. Não quero perder mais o teu tempo nem o meu.”
Congelei, mas não fiquei surpreendida. Com lágrimas nos olhos, peguei na caneta com a mão a tremer. Todas as memórias das noites em que o esperei à mesa, das dores de barriga que aguentei sozinha no meio da madrugada, vieram de repente como facadas.
Depois de assinar, arrumei as minhas coisas. Naquela casa, quase nada era meu—apenas algumas roupas e a minha almofada velha, aquela com que sempre dormia.
Quando puxei a mala para sair, o Ricardo atirou-me a almofada com um sorriso de escárnio:
“Leva-a e lava-a. Já está quase a desfazer-se.”
Agarrei a almofada, com o coração apertado. Era mesmo velha—a fronha estava desbotada, com manchas amareladas e rasgões. Era a almofada que eu trouxera da casa da minha mãe, numa pequena vila do Alentejo, quando fui estudar para a cidade. Mantive-a quando me casei porque sem ela não conseguia dormir.
Ele queixava-se dela, mas eu nunca a deixei ir. Saí daquela casa em silêncio.
De volta ao meu quarto alugado, sentei-me, olhando para a almofada. Lembrei-me das palavras dele e decidi tirar a fronha para a lavar—pelo menos assim ficaria limpa e eu poderia dormir bem, sem sonhar com memórias dolorosas.
Quando abri o fecho, senti algo estranho. Havia algo duro no meio do enchimento de algodão. Meti a mão lá dentro e parei, gelada. Um pequeno pacote, embrulhado com cuidado num saco de plástico.
Abri-o com mãos trémulas. Dentro, havia uma pilha de notas de 50 euros e um papel dobrado em quatro.
Desdobrei-o. Era a letra da minha mãe, trémula e desigual:
“Minha filha, guardei este dinheiro para ti, caso um dia passes dificuldades. Escondi-o na almofada porque sabia que serias orgulhosa demais para o aceitar. Nunca sofras por um homem, minha querida. Eu amo-te.”
As minhas lágrimas caíram sobre o papel amarelado. Lembrei-me do dia do meu casamento, quando a minha mãe me entregou a almofada, dizendo que era macia, para eu dormir bem.
Eu ri-me e respondi:
“Estás a ficar velha, mãe. Que ideia estranha. O Ricardo e eu vamos ser felizes.”
Ela sorriu, com um olhar distante e triste. Apertei a almofada contra o peito, como se ela estivesse ao meu lado, a acariciar o meu cabelo.
Afinal, ela sempre soube quanto uma filha sofre quando escolhe o homem errado. Afinal, preparou-me um plano de fuga—não uma fortuna, mas o suficiente para me salvar do desespero.
Naquela noite, deitei-me na cama dura do meu pequeno quarto, abraçada à almofada, as lágrimas a molharem a fronha.
Mas desta vez, não chorei por causa do Ricardo.
Chorei porque amava a minha mãe.
Chorei porque me senti sortuda—por ainda ter um lugar para voltar, uma mãe que me amava, e um mundo enorme lá fora, à minha espera.
Na manhã seguinte, acordei cedo, dobrei a almofada com cuidado e guardei-a na mala. Decidi que arranjaria um quarto mais pequeno, perto do trabalho.
Enviaria mais dinheiro à minha mãe. E viveria uma vida em que já não teria de tremer ou esperar por uma mensagem fria de ninguém.
Sorri para o meu reflexo no espelho.
Aquela mulher de olhos inchados, a partir daquele dia, viveria por si mesma, pela sua mãe já envelhecida e por todos os sonhos da juventude que ainda estavam por realizar.
Aquele casamento, aquela almofada velha, aquele sorriso de escárnio… tudo isso foi apenas o fim de um capítulo triste.
Quanto à minha vida, ainda havia muitas páginas por escrever—pelas minhas próprias mãos, fortes e resistentes.