A mansão dos Almeida permaneceu em silêncio por anos, apenas o leve zumbir dos aparelhos e o eco solitário de passos nos corredores de mármore quebravam a quietude. Após a morte súbita da esposa, Eduardo Almeida — um dos empresários mais influentes de Lisboa — ficou com dois recém-nascidos e uma dor tão profunda que consumia tudo, até a alegria da paternidade.
Mas o silêncio acabou quando os gêmeos completaram seis meses.
Choravam a noite inteira, todas as noites. Eduardo contratou as melhores babás que o dinheiro podia pagar — mulheres com currículos impecáveis, certificações e recomendações brilhantes. Mas uma após a outra, todas desistiam, dizendo a mesma coisa:
“Eles não param de chorar, Sr. Almeida. Não consigo.”
Eduardo estava em seu escritório as três da madrugada, gravata desfeita, olhos vermelhos, ouvindo os gritos dos bebés pelo monitor. O cansaço e a culpa o asfixiavam. *Consigo gerir um império, mas não consigo confortar os meus próprios filhos.*
Na quarta semana de noites em claro, a governanta, Dona Isabel, aproximou-se cautelosamente. “Senhor, conheço alguém que talvez possa ajudar. Ela não é… convencional, mas já fez milagres antes.”
Eduardo mal levantou os olhos. “Neste momento, não me importa. Traga-a.”
Na noite seguinte, chegou uma jovem. Chamava-se Beatriz, e não se parecia com as outras. Não trazia um currículo refinado, vestia-se com simplicidade e não carregava pastas de trabalho. Mas seus olhos eram serenos, e quando falou, sua voz tinha uma calma que Eduardo não ouvira há meses.
“Entendo que seus filhos não conseguem dormir,” disse suavemente.
Eduardo observou-a com ceticismo. “Tem experiência com bebés? Com… casos difíceis?”
Beatriz assentiu uma vez. “Já cuidei de crianças que perderam as mães. Elas não precisam só de comida e colo. Precisam sentir-se seguras outra vez.”
Eduardo estremeceu ao ouvir falar da mãe deles. “E acha que pode fazê-los parar de chorar? Ninguém conseguiu.”
Ela manteve o olhar firme. “Não acho. Sei.”
Naquela noite, Eduardo ficou à porta do quarto, pronto para intervir. Lá dentro, os gêmeos já resmungavam, choramingando em agitação. Beatriz não os pegou no colo como as outras. Em vez disso, sentou-se no chão entre os berços, fechou os olhos e começou a cantarolar uma melodia suave e desconhecida.
No início, nada mudou. Mas as choradeiras vacilaram… suavizaram… e em minutos, o silêncio tomou conta do quarto.
Eduardo inclinou-se, incrédulo. *Eles… dormiram?*
Abriu a porta devagar. Beatriz olhou para ele, ainda cantarolando. “Não os acorde,” sussurrou. “Finalmente entregaram o medo.”
Eduardo pestanejou. “O que fez? Ninguém os acalmou por mais de dois minutos.”
Beatriz levantou-se. “Seus filhos não choram só por fome ou conforto. Choram por alguém que realmente os veja. Estiveram rodeados de estranhos. Precisam de ligação, não só de cuidados.”
Daquele dia em diante, os gêmeos só dormiam com Beatriz por perto.
Os dias viraram uma semana. Eduardo surpreendia-se a observá-la mais do que pretendia. Ela nunca usava brinquedos ou truques. Apenas cantava, contava histórias e os embalava com uma paciência infinita.
Numa noite, enquanto as crianças adormeciam, Eduardo disse: “Não entendo como consegue. Fez o que ninguém mais fez.”
Beatriz olhou para ele calmamente. “Não é um truque. Eles sabem que não vou embora. É disso que tinham medo.”
As palavras atingiram-no com força.
Mas então algo inesperado aconteceu. Noutra noite, ao passar pelo quarto, Eduardo ouviu Beatriz sussurrar aos gêmeos:
“Não se preocupem, pequenos. São mais fortes do que imaginam. Guardam segredos que nem o vosso pai conhece ainda.”
Eduardo congelou. *Segredos? O que ela quer dizer?*
No dia seguinte, notou que ela evitava perguntas sobre o passado. Se ele perguntava onde aprendera aquelas canções ou como sabia tanto sobre crianças traumatizadas, ela mudava de assunto.
Começou a questionar: *Quem é Beatriz? E por que sinto que sabe mais da minha família do que eu?*
Não conseguia esquecer as suas palavras: *”Guardam segredos que nem o vosso pai conhece ainda.”*
O que ela sabia?
Nessa noite, depois das crianças adormecerem, Eduardo abordou-a na cozinha.
“Ouvi o que disse a eles ontem,” começou cautelosamente. “O que quis dizer com ‘segredos’?”
Beatriz ergueu o olhar, impenetrável. “Ainda não é hora de falar.”
“Ainda?” A voz dele tornou-se áspera. “Beatriz, não pode dizer algo assim e esperar que ignore. Se sabe algo sobre meus filhos, tenho direito de saber.”
Ela pousou a mamadeira que lavava. “Precisa que confie em mim um pouco mais. Eles ainda são frágeis. Só agora dormem a noite toda. Se eu falar agora, pode… perturbá-los.”
Eduardo aproximou-se. “Contratei-a para ajudar meus filhos, mas também preciso de honestidade. O que está a esconder envolve-os — e a mim.”
Ela suspirou. “Venha ao quarto depois da meia-noite. Mostrarei.”
Horas depois, Eduardo esperou no corredor. À meia-noite em ponto, Beatriz acenou-o para entrar. Os gêmeos mexiam-se, mas não choravam. Ela ajoelhou-se entre os berços, cantarolando a mesma melodia estranha.
“Observe,” murmurou.
Cantou baixinho — palavras numa língua que Eduardo não reconheceu. Os bebés, ainda sonolentos, estenderam as mãozinhas para ela, como se entendessem cada nota. Então algo incrível aconteceu: sorriram. Não o sorriso casual de um bebé, mas algo profundo, intencional.
“Eles conhecem esta canção,” sussurrou Beatriz. “Sua falecida esposa cantava-a quando ainda estavam na barriga.”
Eduardo gelou. “O quê? Como sabe disso?”
A voz dela tremeu. “Porque ela me ensinou.”
O coração de Eduardo disparou. “Conhecia minha esposa?”
“Sim,” admitiu. “Há anos. Trabalhava no hospital onde ela deu à luz. Ela confiou em mim… pediu-me que cuidasse deles se algo lhe acontecesse.”
A mente dele revolvia-se. “Isso é impossível. Depois que ela morreu, ninguém falou em si. E você — por que esperou seis meses para aparecer?”
Beatriz baixou o olhar. “Alguém não queria me perto deles. Alguém poderoso. Recebi ameaças após o funeral, avisando para me afastar. Não queriam que fossem criados como sua esposa desejava.”
“Quem?” exigiu ele.
Ela hesitou. “Não sei ao certo, mas acho que é alguém próximo. Alguém que lucra com sua distração, seu cansaço… talvez até com sua incapacidade de gerir seu império.”
Um calafrio percorreu Eduardo. *Isso é sobre a empresa? Minha fortuna?*
Beatriz continuou: “Sua esposa suspeitava que o perigo vinha de dentro. Pediu-me que protegesse os gêmeos se ela não pudesse.”
Eduardo fitou-a, dividido entre a descrença e o facto inegável: ela era a única que acalmava seus filhos, a única que conhecia a canção que sua esposEduardo apertou a mão de Beatriz e, naquela noite, sob o luar que entrava pela janela, ambos prometeram não apenas honrar a memória daquela que os unira, mas também proteger o futuro da família que agora reconstruíam juntos.