Era uma manhã fresca de segunda-feira quando Tiago Mendes, o dono da Tasca do Tiago, saiu do seu SUV preto vestindo jeans, um casaco desbotado e um gorro puxado até às sobrancelhas. Habitualmente trajado a fatos elegantes e sapatos caros, naquele dia parecia um homem comum de meia-idade, ou até um sem-abrigo aos olhos de alguns. Mas era exatamente isso que ele queria.
Tiago era um milionário feito por si próprio. A sua tasca tinha crescido de uma única carrinha de comida para uma cadeia em toda a cidade em dez anos. Mas ultimamente, começaram a surgir queixas dos clientes—serviço lento, funcionários rudes e até rumores de maus-tratos. As críticas online passaram de cinco estrelas brilhantes para desabafos amargos.
Em vez de enviar espiões corporativos ou instalar mais câmaras, Tiago decidiu fazer algo que não fazia há anos—entrar no seu próprio negócio como um homem comum.
Escolheu a loja do centro—a primeira que abriu, onde a sua mãe costumava ajudar a fazer bolos. Ao atravessar a rua, sentiu o burburinho dos carros e dos transeuntes matinais. O cheiro de bacon a fritar pairou no ar. O coração bateu mais rápido.
Dentro da tasca, as bancadas vermelhas e o chão de tijoleira, familiares, saudaram-no. Pouco tinha mudado. Mas os rostos, sim.
Atrás do balcão, estavam duas empregadas. Uma era uma rapariga magricela num avental rosa, mastigando pastilha ruivosamente e mexendo no telemóvel. A outra era mais velha, mais encorpada, com olhos cansados e um crachá que dizia “Anabela.” Nenhuma reparou nele.
Ficou à espera durante trinta segundos. Nenhum cumprimento. Nenhum “Bom dia, seja bem-vindo!” Nada.
“Próximo!” Anabela finalmente gritou, sem sequer olhá-lo nos olhos.
Tiago avançou. “Bom dia,” disse, tentando disfarçar a voz.
Anabela olhou-o de alto a baixo, os olhos deslizando pelo casaco amarrotado e pelos sapatos gastos. “Hmm. O que quer?”
“Queria uma sanduíche de pequeno-almoço. Bacon, ovo e queijo. E um café puro, por favor.”
Anabela suspirou dramaticamente, carregou numas teclas do ecrã e murmurou, “Três euros e cinquenta.”
Ele puxou uma nota de cinco euros amarfanhada do bolso e entregou-lha. Ela agarrou-a e atirou-lhe o troco para o balcão sem uma palavra.
Tiago sentou-se num canto, bebendo o café e observando. O sítio estava cheio, mas os funcionários pareciam aborrecidos, até irritados. Uma mulher com dois filhos pequenos teve de repetir o pedido três vezes. Um idoso que perguntou por um desconto de reformado foi mandado embora com rudeza. Um empregado deixou cair uma bandeja e praguejou alto o suficiente para as crianças ouvirem.
Mas o que o deixou gelado foi o que ouviu a seguir.
Por trás do balcão, a jovem empregada do avental rosa inclinou-se e disse à Anabela: “Vistes aquele gajo que pediu a sanduíche? Cheira a dormir na estação do Rossio.”
Anabela riu-se. “Pois, pois. Parece que somos uma tasca ou um albergue. Vê lá se ele não pede bacon extra como se tivesse dinheiro.”
As duas riram-se.
Tiago apertou o copo de café com força. Os nós dos dedos branquearam. Não se sentiu ofendido—pessoalmente—mas o facto de os seus próprios funcionários estarem a gozar com um cliente, especialmente um que podia ser sem-abrigo, cortava fundo. Estas eram as pessoas para quem ele tinha construído o negócio—gente trabalhadora, que se esforça, honesta. E agora, a sua equipa tratava-as como lixo.
Viu outro homem—de fato de trabalho—entrar e pedir um copo de água enquanto esperava. Anabela deu-lhe um olhar sujo e disse: “Se não vai comprar mais nada, não fique aí a empatar.”
Chega.
Tiago levantou-se devagar, a sanduíche intacta, e dirigiu-se ao balcão.
Tiago Mendes parou a poucos passos do balcão, a sanduíche ainda na mão. O operário, chocado com a resposta de Anabela, recuou e sentou-se num canto. A jovem empregada ri-se de novo, mergulhada no telemóvel, alheia à tempestade que se aproximava.
Tiago limpou a garganta.
Nenhuma olhou para ele.
“Com licença,” disse mais alto.
Anabela revirou os olhos e finalmente olhou para cima. “Senhor, se tem algum problema, o número do apoio ao cliente está atrás do recibo.”
“Não preciso do número,” respondeu Tiago com calma. “Só quero saber uma coisa. É assim que tratam todos os clientes, ou só os que acham que não têm dinheiro?”
Anabela pestanejou. “O quê?”
A jovem empregada atirou: “Nós não fizemos nada de mal—”
“Nada de mal?” repetiu Tiago, a voz já não suave. “Gozaram às minhas costas porque parecia que não pertencia aqui. Depois, trataram um cliente que pagou como se fosse lixo. Isto não é um café de fofocas ou um clube privado. É uma tasca. A minha tasca.”
As duas mulheres congelaram. Anabela abriu a boca para responder, mas as palavras não saíram.
“Chamo-me Tiago Mendes,” disse, puxando o capuz para trás e tirando o gorro. “Sou o dono disto.”
O silêncio caiu como um martelo sobre a tasca. Alguns clientes viraram-se para olhar. O cozinheiro espreitou pela janela.
“Não pode ser,” sussurrou a jovem.
“Pode, sim,” respondeu Tiago gelidamente. “Abri esta tasca com as minhas próprias mãos. A minha mãe fazia bolos aqui. Construímos este sítio para servir toda a gente. Operários. Reformados. Mães com filhos. Pessoas que se esforçam para chegar ao fim do mês. Vocês não decidem quem merece respeito.”
Anabela estava branca como papel. A jovem deixou cair o telemóvel.
“Deixe-me explicar—” começou Anabela.
“Não,” cortou Tiago. “Já ouvi o suficiente. E as câmaras também.”
Olhou para o canto do teto, onde uma câmara discreta estava instalada. “Aqueles microfones? Pois, funcionam. Cada palavra que disseram ficou gravada. E não é a primeira vez.”
Nesse momento, o gerente, um homem de meia-idade chamado Rui, saiu da cozinha. Ficou pasmado ao ver Tiago.
“Sr. Mendes?!”
“Olá, Rui,” disse Tiago. “Precisamos de falar.”
Rui assentiu, os olhos arregalados.
Tiago voltou-se para as mulheres. “Estão suspensas. Imediatamente. O Rui vai decidir se voltam depois de nova formação—se voltarem. Enquanto isso, vou passar o resto do dia aqui, a trabalhar atrás do balcão. Se querem aprender a tratar clientes, observem-me.”
A jovem começou a chorar, mas Tiago não cedeu. “Não se chora por se ser apanhada. Muda-se porque se está arrependido.”
Saíram em silêncio, cabisbaixas, enquanto Tiago se colocava atrás do balcão. Amarrou um avental, serviu um café fresco e foi ter com o operário.
“Olha, amigo,” disse, colocando o copo à frente dele. “OfereEle sorriu enquanto o operário agradecia, sabendo que, a partir daquele dia, a Tasca do Tiago seria novamente um lugar onde todos se sentiam em casa.