O tilintar das chávenas, o murmúrio suave das conversas matinais e o aroma do café acabado de fazer enchiam o pequeno alvoroço do café da manhã no *Café do Sol*, uma típica casa de pasto escondida entre uma florista e uma livraria no coração de Alfama.
Inês Mendes, de vinte e quatro anos, equilibrava uma bandeja com ovos Benedict e chá quente enquanto deslizava entre as mesas com habilidade. Não era apenas uma empregada de mesa — era uma sonhadora. Sonhava em terminar a licenciatura, em ter o seu próprio café, em formar uma família um dia. Mas, acima de tudo, sonhava em compreender a mulher que a criara com tanto amor e tantos segredos — a sua falecida mãe, Beatriz.
Beatriz Mendes partira há três anos. Era gentil, reservada e ferozmente protetora de Inês. Mas nunca falara do pai da filha, nunca mostrara uma única fotografia, nunca sequer mencionara um nome. Sempre que Inês perguntava, a mãe sorria docemente e respondia: *”O que importa é que eu te tenho a ti.”*
E Inês aceitara aquilo. Quase sempre.
Mas a vida tem uma maneira estranha de revelar o que o coração está pronto para descobrir.
Naquela manhã, no momento em que Inês entregava a conta a um casal na mesa 4, o sino da porta tocou. Entrou um homem alto, de fato azul-marinho caro, cabelo grisalho, olhos penetrantes e uma presença que fez as cabeças virarem.
*”Mesa para um, por favor”*, disse, com uma voz grave e calorosa.
*”Claro”*, respondeu Inês com um sorriso educado, conduzindo-o a um canto junto à janela.
Ele pediu um café preto, torradas e ovos mexidos.
Ela achou-o familiar, mas não sabia de onde. Seria alguma figura pública?
Enquanto bebia o café, ele puxou a carteira e abriu-a rapidamente — talvez à procura de um cartão. Foi então que algo chamou a atenção de Inês.
Uma fotografia.
Ela congelou, a bandeja suspensa a meio caminho da próxima mesa.
A imagem estava desbotada e dobrada nas pontas, claramente antiga, mas inconfundível.
Era a sua mãe.
Beatriz.
Jovem, radiante e a sorrir — exatamente como a foto que Inês mantinha na mesinha de cabeceira. Só que esta fora tirada muito antes de ela nascer.
O ar faltou-lhe na garganta.
Com mãos trémulas, regressou à mesa e sussurrou: *”Senhor… posso perguntar-lhe algo pessoal?”*
O homem ergueu os olhos, surpreso. *”Claro.”*
Inês inclinou-se e apontou para a carteira ainda pousada ao lado da mão dele.
*”Essa fotografia… aquela mulher. Porque tem uma foto da minha mãe na sua carteira?”*
Silêncio.
Ele pestanejou, fitou-a e, lentamente, ergueu a carteira novamente. Os dedos hesitaram antes de a abrir. Olhou para a foto como se a visse pela primeira vez.
*”A sua mãe?”*, perguntou devagar.
*”Sim”*, a voz de Inês quebrou. *”É a Beatriz Mendes. Ela faleceu há três anos. Mas… como é que tem uma foto dela?”*
Ele recostou-se, visivelmente abalado. Os olhos brilharam.
*”Meu Deus”*, murmurou. *”Você… é a imagem dela.”*
Inês engoliu em seco.
*”Desculpe”*, balbuciou. *”Não queria intrometer-me. É só que… a minha mãe nunca falou do passado. Nunca conheci o meu pai, e quando vi aquela foto—”*
*”Não”*, ele interrompeu, gentil. *”Não se está a intrometer. Eu… sou eu que lhe devo uma explicação.”*
Acenou para o banco à sua frente. *”Por favor. Sente-se.”*
Inês deslizou para o lugar, as mãos apertadas no colo.
O homem respirou fundo.
*”Chamo-me Tomás Cardoso. Conheci a sua mãe há muito, muito tempo. Éramos… apaixonados. Profunda, intensamente. Mas a vida… a vida atrapalhou.”*
Fez uma pausa, o olhar perdido.
*”Conhecemo-nos na universidade. Ela estudava Literatura Portuguesa. Eu, Gestão. Ela era sol — alegre, espirituosa, apaixonada por poesia. E eu… bem, era determinado, ambicioso, talvez em excesso. O meu pai desaprovava-a. Dizia que ela não era do ‘nosso mundo’. E eu fui cobarde demais para lhe enfrentar.”*
O coração de Inês acelerou. *”Você… deixou-a?”*
Ele assentiu, a vergonha estampada no rosto. *”Sim. O meu pai deu-me um ultimato: terminar com ela ou perder tudo. Escolhi mal. Disse-lhe que estava tudo acabado. E nunca mais a vi.”*
Inês sentiu as lágrimas queimarem-lhe os olhos.
*”Ela nunca me contou isso. Nunca disse mal de ninguém. Apenas dizia que era feliz por me ter.”*
Tomás olhou para ela com uma tristeza profunda. *”Levo esta foto comigo há trinta anos. Sempre me arrependi de a ter deixado. Pensei que ela tivesse casado com outro… refeito a vida.”*
*”Não refez”*, sussurrou Inês. *”Criou-me sozinha. Trabalhou em três empregos. Nunca tivemos muito, mas ela deu-me tudo.”*
Tomás engoliu em seco. *”Inês… quantos anos tem?”*
*”Vinte e quatro.”*
Ele fechou os olhos. Quando os abriu, as lágrimas rolavam-lhe pelas faces.
*”Ela estava grávida quando a deixei, não estava?”*
Inês anuiu. *”Devia estar. Acho que não quis que eu crescesse com amargura.”*
Tomás pegou num lenço do bolso do casaco e enxugou os olhos. *”E agora aqui está você… à minha frente.”*
*”Não sei o que isto significa”*, Inês disse baixinho. *”Só… tenho tantas perguntas.”*
*”Merece respostas”*, ele afirmou. *”Todas.”*
Hesitou, depois acrescentou: *”Posso pedir-lhe uma coisa… Estaria disposta a almoçar comigo esta semana? Sem pressões. Gostava apenas de conhecer a mulher incrível em que a sua mãe se tornou. E de a conhecer a si.”*
Inês observou-o — verdadeiramente. Os olhos, os gestos, até o sorriso… havia algo familiar ali.
*”Gostava”*, murmurou.
**Três Semanas Depois**
O canto sossegado do *Café do Sol* tornara-se o lugar deles.
Inês soube que Tomás nunca casara. Que construíra um império financeiro, mas nunca encontrara paz. Que guardara a foto da mãe na carteira todos aqueles anos, mesmo quando mal reconhecia o próprio rosto no espelho.
E Tomás soube da vida de Beatriz — dos sacrifícios que fizera, das cantigas de embalar que entoara, da felicidade que encontrara nos pequenos momentos com Inês.
Um dia, sobre chá preto e pastéis de nata, ele estendeu a mão sobre a mesa.
*”Sei que não posso compensar os anos que perdi”*, disse. *”Mas, se me der essa chance… gostaria de fazer parte da sua vida. Da maneira que você escolher.”*
Inês estudou-lhe o rosto. O coração ainda estava cheio de emoção, emaranhado e cru, mas ela assentiu.
*”VamosE, enquanto o sol da tarde entrava pela janela, banhando-os numa luz dourada, Inês sentiu que, finalmente, as peças do seu coração estavam a encaixar-se.