A chuva caía sem parar sobre o telhado de vidro da mansão do milionário, situada nos arredores de Lisboa. Lá dentro, Alexandre Costa permanecia junto à lareira, bebendo um café preto e observando as chamas. Ele estava acostumado ao silêncio — até mesmo numa casa tão grandiosa, a solidão o seguia. O sucesso trouxera-lhe dinheiro, mas não paz.
Uma batida seca ecoou pelo corredor.
Alexandre franziu a testa. Não esperava visitas. Os empregados tinham o dia livre, e raramente aparecia alguém. Deixando a chávena em cima da mesa, dirigiu-se à porta e abriu-a.
Uma mulher estava à entrada, encharcada, segurando uma menina de não mais de dois anos. As suas roupas estavam gastas, os olhos vazios de cansaço. A criança agarrava-se ao seu casaco, silenciosa e curiosa.
“Desculpe incomodá-lo, senhor”, disse a mulher, com a voz a tremer. “Mas… Não como há dois dias. Posso limpar a sua casa — só por um prato de comida para mim e para a minha filha.”
Alexandre ficou imóvel.
O coração parou — não de pena, mas de choque.
“Inês?”, murmurou.
A mulher ergueu o olhar, os lábios entreabertos. “Alexandre?”
O tempo pareceu dobrar-se sobre si mesmo.
Há sete anos, ela tinha desaparecido. Sem aviso. Sem despedida. Apenas sumira da sua vida.
Alexandre recuou, atordoado. A última vez que vira Inês Marques, ela usava um vestido vermelho de verão, descalça no jardim, a rir como se o mundo não tivesse mágoa.
E agora… estava ali, em farrapos.
O peito apertou-lhe. “Onde estiveste?”
“Não vim para um reencontro”, respondeu ela, a voz a quebrar. “Só preciso de comida. Por favor. Vou embora logo a seguir.”
Ele olhou para a menina. Cacheados louros. Olhos azuis. Os mesmos olhos da sua mãe.
A voz falhou-lhe. “É… minha?”
Inês não respondeu. Desviou o olhar.
Alexandre fez-lhe sinal para entrar. “Vem.”
Dentro da mansão, o calor envolveu-os. Inês permanecia desconfortável no chão de mármore polido, pingando água da chuva, enquanto Alexandre chamava o cozinheiro para trazer comida.
“Ainda tens empregados?”, perguntou ela baixinho.
“Claro. Tenho tudo”, respondeu Alexandre, incapaz de esconder o tom de amargura. “Menos respostas.”
A menina esticou a mão para um prato de morangos e olhou para ele timidamente. “Obrigada”, murmurou.
Ele sorriu, quase impercetivelmente. “Como ela se chama?”
“Lara”, sussurrou Inês.
O nome atingiu-o como um soco no estômago.
Lara tinha sido o nome que escolheram um dia para uma filha futura. Quando tudo era bom. Antes de tudo se desmoronar.
Alexandre sentou-se devagar. “Explica-me. Porque partiste?”
Inês hesitou. Depois sentou-se à sua frente, os braços a envolverem Lara.
“Descobri que estava grávida na mesma semana em que a tua empresa abriu capital”, disse ela. “Estavas a trabalhar vinte horas por dia, quase sem dormir. Não quis ser um peso.”
“Isso era uma decisão minha”, retorquiu ele.
“Eu sei”, sussurrou, limpando as lágrimas. “Mas depois… descobri que tinha cancro.”
O coração de Alexandre afundou.
“Era de estágio dois. Os médicos não sabiam se iria sobreviver. Não queria que tivesses de escolher entre a empresa e uma namorada a morrer. Fui-me embora. Dei à luz sozinha. Fiz quimioterapia sozinha. E sobrevivi.”
Ele ficou sem palavras. Raiva e tristeza misturavam-se dentro dele.
“Não confiaste em mim para me deixares ajudar?”, conseguiu dizer, por fim.
Os olhos de Inês encheram-se de lágrimas. “Nem eu confiava em mim para sobreviver.”
Lara puxou a manga da mãe. “Mamã, tenho sono.”
Alexandre ajoelhou-se à sua frente. “Queres descansar numa cama quentinha?”
A menina acenou com a cabeça.
Ele virou-se para Inês. “Não vais a lado nenhum esta noite. Vou mandar preparar o quarto de visitas.”
“Não posso ficar aqui”, protestou ela rapidamente.
“Podes. E vais”, afirmou ele, firme. “Não és qualquer pessoa. És a mãe da minha filha.”
Ela congelou. “Então acreditas que ela é tua?”
Alexandre levantou-se. “Não preciso de um teste. Vejo-o. Ela é minha.”
Naquela noite, depois de Lara dormir, Alexandre permaneceu na varanda, a olhar para o céu iluminado pelo temporal. Inês juntou-se a ele, enrolada num roupão que uma das empregadas lhe dera.
“Não queria destruir a tua vida”, disse ela.
“Não destruíste”, ele respondeu. “Apenas te apagaste dela.”
O silêncio alongou-se entre os dois.
“Não estou aqui para pedir nada”, disse Inês. “Só estava desesperada.”
Alexandre voltou-se para ela. “Foste a única mulher que amei. E partiste sem me deixar lutar por ti.”
Lágrimas corriam-lhe pelo rosto.
“Ainda te amo”, sussurrou. “Mesmo que me odeies.”
Ele não respondeu. Em vez disso, olhou para a janela onde Lara dormia, segura e quentinha.
Por fim, disse: “Fica. Pelo menos até descobrirmos o que vem a seguir.”
Na manhã seguinte, o sol despontou entre as nuvens, lançando uma luz dourada sobre a propriedade de Alexandre. Pela primeira vez em anos, não se sentia vazia.
Em baixo, na cozinha, Alexandre estava ao fogão — uma visão rara na sua própria casa — a mexer ovos. O cheiro de manteiga e torradas enchia o ar. Ouviu passos leves atrás de si.
Inês estava na entrada, de mão dada com Lara. A menina agora usava um pijama limpo, o cabelo penteado em caracóis.
“Já cozinhas?”, perguntou Inês, com um sorriso ténue.
“Estou a tentar”, respondeu ele, entregando um prato a Lara. “Para ela.”
Lara subiu para uma cadeira e começou a comer como se não provasse comida decente há semanas.
“Ela gosta de ti”, disse Inês, sentando-se à beira do balcão.
Alexandre olhou para ela. “Ela é fácil de gostar.”
Nos dias seguintes, caíram numa rotina estranha, mas silenciosamente reconfortante. Inês falava pouco, ainda incerta se aquilo era real ou temporário. Alexandre observava-a atentamente — cada gesto, cada olhar para Lara — como se tentasse recuperar o tempo perdido.
Mas nem todos ficaram satisfeitos.
Uma tarde, quando Alexandre regressou de uma reunião, a sua assistente, Carolina, esperava à porta, de braços cruzados.
“Agora tens uma mulher e uma criança a morar aqui?”, perguntou.
“Sim. É a Inês e a filha dela.”
“A tua filha?”
Ele acenou afirmativamente.
Carolina hesitou. “Não és propriamente discreto. A diretora já anda a fazer perguntas.”
“Deixa-a”, respondeu Alexandre, frio. “Não tenho de responder a ela quando se trata da minha família.”
A palavra “família” soou desconhecida nos seus lábios — mas sentiu-se certa.
Naquela noite, Inês estava na varanda, a ver Lara correr atAlexandre aproximou-se dela, colocou-lhe suavemente um anel no dedo e, enquanto Lara ria ao perseguir borboletas sob o céu de Lisboa, ele sussurrou: “Desta vez, vamos fazer tudo certo.”