A chuva caía sem parar sobre o telhado de vidro da mansão do bilionário, situada nos arredores de Lisboa. Dentro, João Mendes permanecia junto à lareira, a tomar um café preto enquanto olhava para as chamas. Estava habituado ao silêncio—ele persistia mesmo numa casa tão imponente. O sucesso trouxera-lhe fortuna, mas não paz.
Uma batida seca ecoou no corredor.
João franziu a testa. Não esperava ninguém. A equipa tinha o dia livre, e visitas eram raras. Pousou a chávena e dirigiu-se à porta principal, abrindo-a.
Uma mulher ali estava, encharcada, segurando uma menina de não mais de dois anos. As suas roupas eram gastas, os olhos fundos de cansaço. A criança agarrava-se ao seu casaco, quieta e curiosa.
— Desculpe incomodá-lo, senhor — disse a mulher, a voz a tremer. — Mas… não como há dois dias. Limpo a sua casa—só por um prato de comida para mim e para a minha filha.
João ficou paralisado.
O coração parou—não de pena, mas de choque.
— Beatriz? — sussurrou.
A mulher ergueu o olhar. Os lábios entreabriram-se em incredulidade. — João?
O tempo desmoronou-se.
Sete anos antes, ela desaparecera. Sem aviso. Sem adeus. Simplesmente sumira da sua vida.
João recuou, atordoado. A última vez que vira Beatriz Nunes, ela usava um vestido vermelho de verão, descalça no seu jardim, a rir como se o mundo não lhe pudesse magoar.
E agora… ali estava ela, em farrapos.
O peito apertou-lhe. — Onde estiveste?
— Não vim para um reencontro — respondeu, a voz a quebrar. — Só preciso de comida. Por favor. Eu vou-me embora depois.
Ele olhou para a menina. Cachos loiros. Olhos azuis. Os mesmos olhos da sua mãe.
A voz falhou-lhe. — Ela é… minha?
Beatriz não respondeu. Desviou o olhar.
João afastou-se. — Entrem.
Dentro da mansão, o calor envolveu-as. Beatriz permanecia desajeitada no chão de mármore polido, a pingar água da chuva, enquanto João acenou ao cozinheiro para trazer comida.
— Ainda tens criados? — perguntou ela, baixinho.
— Claro. Tenho tudo — respondeu ele, incapaz de esconder o tom cortante. — Menos respostas.
A menina esticou a mão para uma tigela de morangos na mesa e olhou para ele, tímida. — Obrigada — murmurou.
Ele sorriu ligeiramente. — Como ela se chama?
— Lara — sussurrou Beatriz.
O nome atingiu-o como um soco no estômago.
Lara fora o nome que haviam escolhido para uma futura filha. Quando tudo era bom. Antes de tudo se desfazer.
João sentou-se devagar. — Fala. Porque partiste?
Beatriz hesitou. Depois sentou-se à sua frente, os braços protegendo Lara.
— Descobri que estava grávida na mesma semana em que a tua empresa entrou na bolsa — disse. — Trabalhavas vinte horas por dia, quase sem dormir. Não quis ser um fardo.
— Essa decisão era minha — retorquiu ele, seco.
— Eu sei — sussorrou, enxugando as lágrimas. — Mas depois… descobri que tinha cancro.
O coração de João parou.
— Era um estádio dois. Os médicos não sabiam se sobreviveria. Não queria que tivesses de escolher entre a empresa e uma namorada a morrer. Parti. Dei à luz sozinha. Fiz quimioterapia sozinha. E sobrevivi.
Ele ficou mudo. Raiva e dor misturaram-se dentro dele.
— Não confiaste em mim para te ajudar? — perguntou, por fim.
Os olhos de Beatriz encheram-se de lágrimas. — Nem confiava em mim mesma para sobreviver.
Lara puxou a manga da mãe. — Mamã, estou com sono.
João ajoelhou-se diante dela. — Queres descansar numa cama quentinha?
A menina acenou.
Ele virou-se para Beatriz. — Não vais a lado nenhum esta noite. Vou mandar preparar o quarto de hóspedes.
— Não posso ficar aqui — disse ela, rapidamente.
— Podes. E vais — replicou, firme. — Não és qualquer pessoa. És a mãe da minha filha.
Ela gelou. — Então acreditas que ela é tua?
João levantou-se. — Não preciso de um teste. Vejo-o. Ela é minha.
Naquela noite, depois de Lara adormecer no andar de cima, João permaneceu na varanda, a observar o céu iluminado pela tempestade. Beatriz juntou-se a ele, envolta num roupão que uma criada lhe dera.
— Não quis destruir a tua vida — disse.
— Não destruíste — respondeu. — Só te apagaste dela.
O silêncio alongou-se entre ambos.
— Não estou aqui para mendigar nada — disse Beatriz. — Só estava desesperada.
João virou-se para ela. — Foste a única mulher que amei. E partiste sem me deixar lutar por ti.
Lágrimas escorriam-lhe pelo rosto.
— Ainda te amo — sussurrou. — Mesmo que me odeies.
Ele não respondeu. Em vez disso, olhou para a janela onde Lara dormia, segura e aquecida.
Então, finalmente, disse: — Fica. Pelo menos até descobrirmos o que vem a seguir.
Na manhã seguinte, o sol espreitou por entre as nuvens cinzentas, projectando uma luz dourada sobre a propriedade de João. Pela primeira vez em anos, não parecia vazia.
Em baixo, João estava junto ao fogão—um cenário invulgar naquela casa—a mexer ovos. O aroma a manteiga e torradas enchia a cozinha. Ouviu passos leves atrás de si.
Beatriz estava no limiar, segurando a mãozinha de Lara. A menina usava pijama limpo, o cabelo penteado em caracóis.
— Agora cozinhas? — perguntou Beatriz, com um sorriso ténue.
— Estou a tentar — respondeu ele, entregando um prato a Lara. — Por ela.
Lara subiu para uma cadeira e comeu como se não provasse comida decente há semanas.
— Ela gosta de ti — disse Beatriz, sentando-se à beira do balcão.
João olhou para ela. — É fácil gostar dela.
Nos dias seguintes, estabeleceu-se um ritmo estranho e silencioso. Beatriz pouco falava, ainda incerta se aquilo era real ou temporário. João observava-a de perto—cada gesto, cada olhar para Lara—como se tentasse recuperar o tempo perdido.
Mas nem todos ficaram satisfeitos.
Num dia, ao regressar de uma reunião, a sua assistente, Leonor, aguardava à porta, os braços cruzados.
— Agora tens uma mulher e uma criança a viver contigo? — perguntou.
João suspirou. — Sim. É a Beatriz e a filha dela.
— Tua filha?
Ele assentiu.
Leonor fez uma pausa. — Não estás a ser subtil. A equipa já faz perguntas.
— Que façam — respondeu ele, friamente. — Não presto contas a eles quando se trata da minha família.
A palavra “família” soara estranha na sua boca—mas parecera certa.
Naquela noite, Beatriz estava no pátio, a ver Lara perseguir borboletas pela relva.
João juntouJoão colocou o anel no dedo de Beatriz sob o luar, prometendo nunca mais deixar a dor do passado roubar o amor que finalmente reencontraram.