O quadragésimo quinto andar. A vista da cidade, banhada em luzes, espalhava-se atrás do vidro como um rio de ouro derretido. Lá embaixo, do coração da metrópole, subiam ecos da vida — barulho, agitação, sonhos, esperanças despedaçadas. E ali, no alto, num escritório de madeira escura e detalhes cromados, reinava o silêncio. Um silêncio carregado de sucesso. Um silêncio que pesava.
Rodrigo estava à janela, mãos nos bolsos, olhar perdido entre o céu e o asfalto. Observava a cidade como quem olha para um patrimônio. Tudo ali era fruto de vinte anos de persistência, noites sem dormir, cálculos frios e decisões duras. Ele tinha tudo: milhões na conta, um negócio que dominava o mercado, um apartamento com vista para o Castelo de São Jorge como um troféu. E até uma noiva — Beatriz, com traços perfeitos, corpo perfeito e um vazio ainda mais perfeito por dentro.
O relacionamento deles? Nem amor, nem paixão. Era uma instalação artística. Um projeto chamado “A Vida de um Homem Bem-Sucedido”. Fotos bonitas no Instagram, festas da alta sociedade, diamantes, bailes, bajulação. Tudo no nível mais alto. Mas por dentro? Vazio. Um tédio surdo, cortante, devastador. Como se já tivesse vivido sua vida e agora só a repetisse no piloto automático.
E foi nesse exato momento, quando sua alma já estava prestes a se render, que o telefone tocou.
Não era uma ligação de trabalho. Era pessoal. A melodia que só três pessoas no mundo conheciam.
No visor, o nome: André Cardoso.
Rodrigo não o via havia quinze anos. Quinze anos desde que saíram da escola, cada um para um lado. Alguns foram atrás de sonhos, outros da sobrevivência. E ele, Rodrigo, foi atrás do poder.
— Alô? — respondeu, disfarçando a emoção, como se não tivesse esperado essa ligação a vida toda.
— Rô! Sou eu, o Cardoso! — a voz de André atravessou o tempo como um vento de primavera. Vibrante, vivo, real. — A gente resolveu… marcar um encontro. Vinte anos da turma, Rô! Vinte! Você vem?
De repente, foi como se alguém acendesse a luz num quarto escuro. Rodrigo sentiu algo se mexendo dentro dele. Não era alegria. Nem saudade. Era uma angústia. Angústia pelo simples, pelo verdadeiro. Por aqueles que o conheciam não por rankings empresariais, mas por tê-lo visto chorar quando o cachorro morreu ou mentir para a professora para salvar o melhor amigo de uma nota baixa.
Conversou com André por dez minutos. Descobriu que a quietinha Ana agora era mãe de cinco filhos, morava nos arredores de Lisboa e fazia bolos tão bons que vizinhos viajavam quilômetros só para provar. Mas sobre Helena — Helena, o amor da turma, a garota inteligente, bonita, de olhos tristes e um defeito na perna — ninguém sabia nada. “Desapareceu. Sumiu do mapa”, suspirou André.
Rodrigo desligou. E, pela primeira vez em anos, sentiu — desejo. Desejo de vê-los. Não para ostentar. Não para provar nada. Só… para lembrar quem ele realmente era.
Decidiu levar Beatriz. Que vissem a rainha que conquistara. Que invejassem. O pensamento era mesquinho, vaidoso, mas verdadeiro. Sorriu. E foi até ela.
O táxi cortava a cidade à noite enquanto Rodrigo ensaiava a cena: a porta, o abraço, o entusiasmo dela, o vestido elegante, as conversas sobre como ela arrasaria na reunião.
Mas a realidade não segue roteiros.
Abriu a porta com sua chave. E viu — tênis masculinos. Baratos, chamativos, número 43. Jogados no chão como lixo.
O coração apertou. Não de ciúme. De decepção.
Entrou. Silêncio. Até que, do quarto, veio uma risada. Grossa, satisfeita. Masculina. E a dela — afetada, provocante.
Empurrou a porta.
Nos lençóis de seda que ele trouxera de Milão, Beatriz estava nos braços de um garoto. Jovem. Estúpido. Com uma expressão que se transformou em medo instantâneo.
Ela gritou. Puxou o edredom. Gaguejou:
— Rodrigo! Não é o que você está pensando! Ele… ele me forçou!
Rodrigo riu.
Não com raiva. Não alto. Simplesmente exalou aquela dor, aquela farsa, aquela mentira.
Esperava gritar. Quebrar tudo. Em vez disso, veio uma calma gelada. Como se um vazio se abrisse dentro dele, engolindo todo sentimento.
— Forçou? — perguntou, olhando para o amante trêmulo. — Com uma arma? Ou ameaçou não curtir sua foto?
Olhou ao redor da sala: roupas espalhadas, o copo derrubado, os rostos assustados. E disse — frio, preciso, como uma sentença:
— Acabou. Em três dias é o aluguel. Espero que seu “herói” tenha dinheiro.
Saiu. Sem olhar para trás.
No elevador, pegou o telefone. Um toque — e o cartão de Beatriz, vinculado à sua conta, deixou de existir.
O carro partiu, mas ele não foi para casa. Simplesmente dirigiu. Sem destino. Apenas longe daquela falsidade.
Parou no primeiro restaurante — “O Imperial”. Luxuoso, pretensioso, com um porteiro de libré e luzes que ofuscavam.
— Whisky. Duplo. E uma garrafa — disse ao garçom, caindo no canto da sala.
Bebeu. Sem comer. Cada gole afogava a dor, mas ela persistia, pesada. Ele já não era um homem, mas uma estátua de sua própria queda.
Uma hora depois, foi para o banheiro. No caminho, entrou num corredor de serviço.
E viu o inferno.
Dois garçons — jovens, arrogantes — riam. E ali, na frente deles, estava uma mulher. De avental azul, lenço na cabeça, mancando enquanto lavava o chão.
— Anda, tartaruga! Os clientes vão cansar de esperar! — zombou um.
— Deixa, ela tá procurando o equilíbrio com essa perna! — completou o outro.
E riam.
Algo dentro de Rodrigo estourou.
Não era raiva. Era justiça. Justiça enterrada anos atrás sob pragmatismo e sucesso.
Aproximou-se deles.
— Fechuem a boca — disse, gelado. — Mais uma palavra e amanhã estarão limpando o chão do Rossio. Entenderam?
Empalideceram. Acenaram.
Ele se virou para a mulher. Ela tentava pegar o balde. Mãos trêmulas.
— Deixe-me ajudar — falou.
Ela ergueu os olhos.
E o mundo parou.
Olhos cinzas. Profundos. Cansados. Cheios de dor e vergonha.
Helena.
A Helena que sumira. Que todos esqueceram. A que ele pensava nas noites sozinho.
— Lena? — sussurrou.
Ela estremeceu. Tentou se esconder. Mas ele já a segurava.
— Rápido! — ordenou aos garçons. — Preparem outro lugar à minha mesa! E tragam o melhor jantar para dois! — e, ignorando seus protestos, levou-a para a sala. — Vamos, Lena. Precisamos conversar.
Sentaram-se frente a frente. Um violonista tocava algo melancólico. O ar estava pesado de silêncio e dor.
— Tira o lenço — pediu ele, suave.
Ela o fez. O cabelo castanho, como nos temposE quando o violonista começou a tocar uma antiga canção de juventude, eles se entreolharam e sorriram, sabendo que, finalmente, a vida havia começado de verdade.