Riram da Faxineira, mas Um Cliente Rico a Convidou para Sua Casa

O quadragésimo quinto andar. A paisagem da cidade, mergulhada em luzes, desdobra-se para além do vidro como um rio de ouro derretido. Lá embaixo, do coração da urbe, ecoam vestígios de vida — o ruído, a agitação, os sonhos, as esperanças desfeitas. Mas ali, no alto, num escritório de madeira escura e detalhes cromados, reinava o silêncio. Um silêncio carregado de sucesso. Um silêncio que pesava.

Antônio estava junto à janela, mãos nos bolsos, o olhar perdido entre o céu e o asfalto. Observava a cidade como se fosse seu domínio. Tudo o que via era fruto de vinte anos de persistência, noites sem dormir, cálculos frios e decisões duras. Tinha tudo: milhões nas contas, um império no topo do setor, um apartamento com vista para o Castelo de São Jorge como um troféu. E até uma noiva — Inês, com traços perfeitos, corpo impecável e uma vacuidade igualmente impecável.

O relacionamento deles? Não era amor. Nem paixão. Era uma instalação artística. Um projeto intitulado “A Vida do Homem Bem-Sucedido”. Fotos elegantes no Instagram, festas da alta sociedade, diamantes, bailes, lisonjas. Tudo no mais alto nível. Mas por dentro — um vazio. Surdo, estridente, devorador. Como se já tivesse vivido sua vida e agora apenas a repetisse num piloto automático.

Foi então, quando sua alma já estava prestes a se render, quando parecia que nada mais poderia surpreendê-lo, que o telefone tocou.

Não era uma chamada de trabalho. Era pessoal. Uma melodia que só três pessoas no mundo conheciam.

No visor, um nome: Jorge Marques.

Antônio não o via há quinze anos. Quinze anos desde que saíram da escola, cada um seguindo seu caminho. Alguns rumo aos sonhos, outros à sobrevivência. E ele, Antônio, rumo ao poder.

— Alô? — respondeu, tentando manter a voz neutra, como se não tivesse esperado por aquela ligação a vida inteira.

— Tonho! Sou eu, o Marques! — a voz de Jorge atravessou o tempo como um vento primaveril. Vibrante, viva, autêntica. — A gente resolveu… marcar um encontro. Reunião dos antigos colegas! Vinte anos, Tonho! Vinte! Você vem?

De repente — como se alguém acendesse a luz num quarto escuro. Antônio sentiu algo estremecer dentro dele. Não era alegria. Nem saudade. Era angústia. Angústia pelo simples, pelo real. Por aqueles que o conheciam não pelos rankings de negócios, mas pelo choro quando seu cachorro morreu, ou pelas mentiras que contava à professora para salvar o melhor amigo de uma nota baixa.

Ficou ao telefone com Jorge por dez minutos. Soube que a quieta Maria, agora mãe de cinco filhos, vivia nos arredores de Lisboa e fazia bolos tão bons que vizinhos viajavam quilômetros para prová-los. Mas de Helena — a Helena de outrora, paixão da turma, inteligente, bela, de olhos tristes e uma leve claudicação — ninguém sabia nada. “Desapareceu. Como se tivesse virado fumaça”, suspirou Jorge.

Antônio desligou. E, pela primeira vez em muito tempo, sentiu — desejo. Desejo de vê-los todos. Não para ostentar. Nem pelo status. Apenas… para lembrar quem ele realmente era.

Decidiu levar Inês. Que vissem a rainha que conquistara. Que tivessem inveja. O pensamento era mesquinho, vaidoso, mas sincero. Sorriu. E foi até ela.

O táxi deslizava pelas avenidas noturnas, e Antônio já ensaiava a cena: a porta, o abraço, o entusiasmo dela, o farfalhar do vestido, as conversas sobre o que usaria para ofuscar todas na reunião.

Mas a realidade não segue roteiros.

Abriu a porta com sua chave. E viu— um par de tênis desconhecidos. Baratos, chamativos, número 43. Abandonados como lixo. Como se o dono soubesse: aqui, ele mandava.

O coração apertou. Não de ciúme. De decepção.

Entrou. Silêncio. Apenas da suíte— risos. Um, grave, satisfeito. Masculino. E o dela— submisso, provocante.

Empurrou a porta.

Nos lençóis de seda que escolhera em Milão, Inês estava nos braços de um rapaz. Jovem. Tolo. Com um rosto que se contorceu de medo.

Ela gritou. Puxou o lençol. Começou a tagarelar:

— Antônio! Não é o que você pensa! Ele… ele me obrigou!

Ele riu.

Não com raiva. Não alto. Apenas— expirou em riso a dor, a farsa, a mentira.

Esperava gritos. Fúria. Mobília destruída. Em vez disso— uma calma glacial. Como se dentro dele se abrisse um vazio onde todos os sentimentos haviam escorrido.

— Obrigou? — perguntou, fitando o amante trêmulo. — Com uma arma? Ou prometeu não curtir sua selfie?

Olhou ao redor: roupas espalhadas, uma taça derrubada, rostos confusos. E disse— frio, preciso, como uma sentença:

— Acabou. E lembre-se: em três dias, o aluguel vence. Espero que seu “herói” possa pagar.

Saiu. Sem olhar para trás.

No elevador, pegou o telefone. Um toque— e o cartão de Inês, vinculado à sua conta, deixou de existir.

O carro partiu. Mas ele não foi para casa. Apenas dirigiu. Sem destino. O importante era estar longe daquela farsa, daquela dor, da sensação de que tudo em que acreditara era uma ilusão.

Parou no primeiro restaurante— “O Real”. Luxuoso, pomposo, com um porteiro de libré e luzes que ofuscavam.

— Um uísque. Duplo. E uma garrafa — disse ao garçom, deixando-se cair num canto.

Bebeu. Sem acompanhamento. Copo após copo. A dor não sumia. Mas tornava-se surda. Pegajosa. Como se já não fosse humano, mas uma estátua no museu de sua própria queda.

Uma hora depois, foi ao banheiro. No caminho— desviou-se para um corredor de serviço.

E viu o inferno.

Dois garçons— jovens, convencidos— riam junto à parede. Diante deles, uma mulher. De avental azul. Lenço na cabeça. Claudicando. Lentamente, com dor, lavava o chão.

— Ei, tartaruga, anda logo! Senão os clientes pisam tudo enquanto você faz sua dança de aleijada! — gargalhava um.

— Deixa, não vê que uma perna é mais curta? Tá procurando o equilíbrio! — completou o outro.

E riam.

Algo dentro de Antônio explodiu.

Não raiva. Não ira. Justiça. Há muito esquecida, soterrada sob camadas de pragmatismo e sucesso.

Aproximou-se deles. Em dois passos.

— Calem a boca — disse com voz gelada. — Mais uma palavra, e amanhã estarão limpando os pisos da estação do Rossio. Está claro?

Empalideceram. Congelaram. Acenaram.

Voltou-se para a mulher. Ela tentava erguer o balde. Mãos trêmulas.

— Deixe-me ajudar — disse.

Ela ergueu os olhos.

E o mundo parou.

Olhos cinza. Profundos. Cansados. Cheios de dor e vergonha.

Helena.

A Helena deles. Desaparecida. Esquecida. Aquela em quem pensava nas noites silenciosas, quando estava só.

— Helena?— Helena? — sussurrou ele, e naquele instante, entre lágrimas e silêncios partilhados, descobriu que a verdadeira riqueza não estava nos milhões nem no poder, mas naquele reencontro inesperado que renovou sua alma e encheu seu coração de paz.

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