Quadragésimo quinto andar. A vista da cidade, banhada em luzes, estende-se para além do vidro como um rio de ouro derretido. Lá embaixo, ecoam os sons da vida — barulho, agitação, sonhos, esperanças despedaçadas. Já aqui no alto, num escritório de madeira escura e detalhes cromados, reina o silêncio. Um silêncio carregado de sucesso. Um silêncio que pesa.
Rodrigo ficou junto à janela, as mãos nos bolsos, o olhar perdido entre o céu e o asfalto. Observava a cidade como se fosse sua propriedade. Tudo o que via era fruto de vinte anos de persistência, noites sem dormir, decisões calculadas e duras. Tinha tudo: milhões nas contas, um negócio que chegara ao topo, um apartamento com vista para o Castelo de São Jorge como um troféu. E até uma noiva — Catarina, com traços perfeitos, corpo impecável e uma vazio imenso por dentro.
O relacionamento deles? Não era amor, nem paixão. Era uma montagem. Um projeto de vida chamado “Aparências”. Fotos bonitas no Instagram, festas da alta sociedade, diamantes, bailes, elogios falsos. Tudo no mais alto padrão. Mas por dentro? Nada. Um tédio profundo, ensurdecedor. Como se já tivesse vivido sua vida e agora apenas a repetisse no piloto automático.
E foi nesse momento, quando sua alma parecia pronta para desistir, quando nada mais parecia capaz de surpreendê-lo, que o telefone tocou.
Não era uma ligação de trabalho. Era pessoal. Um toque que apenas três pessoas no mundo conheciam.
No visor: **Miguel Almeida**.
Não o via em quinze anos. Quinze anos desde que saíram da escola, cada um seguindo um rumo diferente. Alguns foram atrás de sonhos, outros lutaram para sobreviver, e ele, Rodrigo, rumou ao poder.
— Alô? — respondeu, tentando disfarçar a emoção, como se não tivesse esperado por essa ligação a vida inteira.
— Rodrigo! Sou eu, o Miguel! — a voz dele atravessou o tempo como um vento primaveril. Vibrante, quente, real. — A gente está planejando… uma reunião. Dos ex-alunos! Vinte anos, Rodrigo! Vinte anos! Você vem?
De repente, como se alguém acendesse a luz num quarto escuro, Rodrigo sentiu algo estremecer dentro dele. Não era alegria, nem nostalgia. Era saudade. Saudade do simples, do verdadeiro. Das pessoas que o conheciam antes dos títulos, que sabiam como ele chorou quando seu cão morreu, ou como mentiu para a professora para salvar o melhor amigo de uma nota ruim.
Ficou no telefone com Miguel por dez minutos. Descobriu que a quietinha Ana agora era mãe de cinco filhos, morava nos arredores de Lisboa e fazia bolos tão bons que vizinhos vinham de longe só para provar. Já da Leonor — aquela que todos admiravam na escola, a mais inteligente, de olhos tristes e um leve defeito na perna — ninguém sabia nada. “Desapareceu. Como se a terra tivesse engolido”, suspirou Miguel.
Rodrigo desligou. E, pela primeira vez em anos, sentiu algo genuíno: o desejo de vê-los. Não por status, não para ostentar. Apenas para lembrar quem ele realmente era.
Decidiu levar Catarina. Queria que vissem a rainha que conquistara. Que sentissem inveja. O pensamento era mesquinho, mas sincero. Sorriu e partiu para encontrá-la.
O táxi deslizava pelas avenidas da noite, e Rodrigo já ensaiava a cena: a porta, o abraço, o seu encantamento, o farfalhar do vestido, as conversas sobre o que ela usaria para ofuscar todas as outras.
Mas a vida não segue roteiros.
Abriu a porta com sua chave. E viu, de imediato — tênis masculinos. Baratos, chamativos, número 43. Abandonados como lixo, como se o dono soubesse que ali mandava.
O coração apertou. Não de ciúme. De decepção.
Avançou. Silêncio. Até que, do quarto, ouviu risos. Um masculino, triunfante. E o dela — afetado, provocante.
Empurrou a porta.
Nos lençóis de seda que escolhera em Milão, Catarina estava nos braços de um rapaz. Jovem. Tolo. Com uma expressão que se transformou em pavor assim que o viu.
Ela gritou. Puxou o lençol. Gaguejou desculpas:
— Rodrigo! Não é o que você acha! Ele… ele me obrigou!
Ele riu. Não com raiva. Não alto. Apenas expeliu, em riso, toda aquela dor, aquela farsa.
Esperava sentir fúria. Vontade de quebrar tudo. Mas, em vez disso, veio uma calma glacial. Como se dentro dele houvesse um vazio que sugara todos os sentimentos.
— Obrigou? — perguntou, olhando para o amante trêmulo. — Com uma arma? Ou ameaçou não curtir sua foto?
Olhou em volta: roupas espalhadas, taça derrubada, rostos envergonhados. E falou, frio, preciso, como uma sentença:
— Acabou. E não se esqueça: o aluguel vence em três dias. Talvez seu *herói* consiga pagar.
Saiu. Sem olhar para trás.
No elevador, pegou o telefone. Um toque — e o cartão de Catarina, ligado à sua conta, deixou de existir.
O carro partiu, mas ele não foi para casa. Apenas dirigiu. Sem destino. Apenas longe dali, longe da falsidade, da dor, da certeza de que tudo em que acreditara era mentira.
Parou no primeiro restaurante chique que viu — “O Gloria”. Sofisticado, pomposo, com um porteiro de libré e luzes que ofuscavam.
— Whisky. Duplo. E a garrafa. — jogou ao garçom, desabando numa mesa no canto.
Bebeu. Sem comer. Um copo atrás do outro. A dor não passava. Mas ficou surda. Pegajosa. Como se ele já não fosse humano, mas uma estátua de seu próprio fracasso.
Uma hora depois, foi ao banheiro. No caminho, entrou num corredor de serviço.
E viu o inferno.
Dois garçons — jovens, arrogantes — riam diante de uma mulher. Vestida com um uniforme azul. Lenço na cabeça. Mancando levemente, esfregava o chão com dor.
— Anda, tartaruga! Senão os clientes pisam tudo antes de você limpar! — um deles gracejava.
— Deixa, ela tá procurando o equilíbrio com essa perna! — o outro completou, rindo.
Algo dentro de Rodrigo explodiu.
Não raiva. Não ódio. Era justiça. Algo esquecido, enterrado sob anos de pragmatismo e ambição.
Aproximou-se em dois passos.
— Calem a boca. — a voz era tão gelada que os fez estremecer. — Mais uma palavra e amanhã estarão limpando chão na Estação do Oriente. Entenderam?
Empalideceram. Congelaram. Acenaram.
Virou-se para a mulher. Ela tentava erguer um balde, as mãos trêmulas.
— Deixe-me ajudar. — disse.
Ela ergueu os olhos.
E o mundo parou.
Olhos cinza. Profundos. Cansados. Cheios de dor e vergonha.
**Leonor.**
A *Leonor*. Desaparecida. Esquecida. Aquela em quem pensava nas noites mais solitárias, quando o sucesso não bastava.
— Leonor? — sussurrou.
Ela estremeceu. Tentou esconder-se, mas ele já segurava sua mão.
—Ele a abraçou e, naquele momento, percebeu que a verdadeira riqueza não estava nos milhões que acumulara, mas na simplicidade de um abraço que valia mais que todo o ouro do mundo.