Todos Filmaram o Garoto Morrendo, Mas Só o Motociclista Tentou Salvá-lo

O velho motociclista começou a fazer RCP no adolescente moribundo enquanto todos só filmavam e tinham medo de ajudar. Eu observei do meu carro, paralisada, enquanto aquele homem de setenta e poucos anos, com o casaco de couro rasgado, comprimia o peito do rapaz, enquanto os outros apenas registravam tudo com os telemóveis.

A mãe do rapaz gritava, implorando a Deus, implorando a alguém — mas só o motociclista agiu. Sangue dos seus ferimentos escorria sobre a camisa branca do jovem enquanto ele trabalhava, contando as compressões com uma voz mais áspera que pedra.

Os paramédicos ainda demorariam oito minutos. Os lábios do rapaz estavam azuis. E foi então que o motociclista fez algo que eu nunca tinha visto — algo que assombraria todos os que presenciaram.

Ele começou a cantar.

Não eram instruções de RCP. Nem orações. Cantou “Ó Meu Menino” com um sotaque irlandês hesitante, comprimindo aquele peito jovem, lágrimas escorrendo pela barba grisalha.

O estacionamento inteiro ficou em silêncio, só a sua voz e o ritmo das compressões. Trinta pressões. Dois sopros. “Mas regressa quando o verão cobrir os campos…”

O rapaz tinha sido atropelado por um condutor bêbado a caminho do Continente. O motociclista foi o primeiro a chegar, derrubando a sua Harley para evitar o mesmo veículo. Enquanto o resto de nós ligava para o 112 e mantinha distância, ele rastejou pelo asfalto para alcançar o rapaz.

“Fica comigo, filho,” repetia entre os versos. “O meu neto tem mais ou menos a tua idade. Fica comigo agora.” Mas ele não conseguia…

O meu nome é Mafalda Costa, e eu fui uma das quarenta e sete pessoas que viram Artur “Irlandês” Mendes salvar uma vida naquele dia. Mas mais do que isso, vi-o pagar um preço por esse milagre que ninguém comenta quando partilham a história nas redes sociais.

Já tinha reparado no Irlandês há anos — difícil não notar um motociclista velho com trevos pintados no capacete e uma moto que trovejava. Os donos das lojas ficavam tensos quando ele estacionava. As mães puxavam os filhos para perto. O preconceito era automático, inconsciente. Barba grisalha mais jaqueta de couro igualava perigo na mente de muitos.

Aquela terça-feira destruiu todas as suposições.

Eu estava sentada no carro, a scrollar no telemóvel, quando ouvi o impacto. O som horrível de metal contra carne. O guinado dos pneus. Depois, o rugido da Harley cortado abruptamente quando o Irlandês a deitou no chão, faíscas saltando do cromo contra o asfalto.

O rapaz — Tiago Almeida, soube depois — levava o seu colete do Continente, provavelmente atrasado para o turno. A carrinha do bêbado atirou-o a seis metros. Ele caiu como um boneco partido, membros em ângulos estranhos, sangue a escorrer por baixo da cabeça.

Todos saíram dos carros, formando um círculo. Os telemóveis apareceram imediatamente. Mas ninguém tocou no rapaz. Ninguém sabia o que fazer. A mãe dele apareceu de algum lugar, deixando cair sacos de compras, laranjas rolando pelo estacionamento enquanto se ajoelhava ao lado dele.

“Por favor!” gritava. “Alguém ajude-o! Por favor!”

Foi então que o Irlandês se mexeu. Ele sangrava do próprio acidente, o braço esquerdo pendia mal, os ferimentos visíveis através das rasgões no casaco. Mas rastejou até ao Tiago sem hesitar, verificando o pulso com dedos que tremiam.

“Não há batimento,” anunciou, começando logo as compressões. “Alguém conte por mim. O meu braço está partido.”

Ninguém se mexeu para ajudar. Apenas continuaram a filmar.

Então o Irlandês contou sozinho, comprimiu com um braço bom e determinação, soprou vida para aqueles pulmões parados, enquanto nós ficámos parados como estátuas de jardim.

“Um, dois, três…” A voz dele era firme, apesar da dor óbvia. Profissional. Como se já tivesse feito aquilo antes.

Mais tarde, soube que tinha. Artur Mendes tinha sido médico de combate na Guerra do Ultramar. Salvou dezessete homens num único tiroteio, ganhou uma Medalha de Valor que nunca mencionou. Voltou para casa para ser cuspido e protestado, encontrou irmandade num clube de motociclistas que entendia o que a guerra lhe tinha tirado.

Mas naquela tarde, eu só vi um velho motociclista a recusar-se a deixar um adolescente morrer.

Quatro minutos depois — uma eternidade em RCP — o Irlandês começou a lutar. O seu braço bom fraquejava. Suor misturava-se com sangue no rosto. Foi então que ele começou a cantar “Ó Meu Menino”, a música que a sua avó irlandesa lhe cantava, a música que ele assobiava enquanto salvava vidas no ultramar cinquenta anos atrás.

“Ó meu menino, as flautas chamam, chamam…”

Algo naquela voz partida a cantar uma canção tão triste tirou a multidão do estupor. Uma mulher de uniforme médico avançou, assumindo as compressões quando o Irlandês já não conseguia. Um pedreiro ajoelhou-se, pronto para revezar. A mãe segurou a mão do filho, juntando a sua voz à música que não conhecia.

“Por vales e montes, descendo a encosta…”

O estacionamento inteiro cantou. Quarenta e sete estranhos unidos pela desesperada canção de um velho motociclista. Até os miúdos que antes riam, até o empresário que se queixava do barulho da moto do Irlandês, até eu — a mulher que apertava a mala sempre que ele passava.

Seis minutos. Sete. O Irlandês nunca parou de soprar para o rapaz, mesmo quando a sua própria respiração vinha aos arrancos. A mulher de uniforme — Joana, uma enfermeira de folga — continuou as compressões com precisão.

“O verão vai-se, as rosas já caíram…”

Oito minutos. Os olhos do Irlandês ficavam vidrados. Percebi, com horror crescente, que ele também estava a morrer. Os ferimentos internos do acidente estavam a atingi-lo. Mas ele continuou a soprar para o Tiago, a cantar entre respirações.

“És tu, és tu que partes, eu fico…”

As sirenes finalmente ecoaram no estacionamento. Os paramédicos tomaram conta, assumindo a RCP com braços frescos e oxigénio puro. Tentaram tratar o Irlandês, mas ele afastou-os.

“O rapaz primeiro,” rosnou. “Eu estou bem.”

Não estava bem. Qualquer um via. Estava pálido por debaixo do bronzeado, a respirar com dificuldade. Mas ajoelhou-se ali, no seu próprio sangue, a observar os paramédicos, ainda a cantarolar aquela maldita música.

E então — milagre dos milagres — o Tiago inspirou.

Fraco, mas real. Colocaram-no na maca, a mãe entrou na ambulância, mas não sem tocar no rosto do Irlandês com mãos trémulas.

“Obrigada,” sussurrou.

O Irlandês sorriu, e foi então que vi o sangue no canto da sua boca. Hemorragia interna. Grave.

“Senhor, precisa de ir para o hospital,” disse um paramédico, depois fez uma pausa. “Imediatamente.”

“Daqui a pouco,” respondeu o Irlandês, tentando levantar-se. Conseguiu dar três passos antes que os joelhos cedessem.

Eu segurei-o. Eu, a mulher que durante anos teveEle sorriu, olhou para todos nós, e disse com a voz rouca: “Valem a pena, cada vida,” antes de fechar os olhos, deixando-nos com o eco da sua coragem e a lição de que os heróis muitas vezes usam couro e trazem cicatrizes que nunca vemos.

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