Traído e Abandonado, um Homem Rendo-se às Lembranças no Túmulo da Mãe

João estacionou o carro. Quantas vezes ele planejou, quis vir, mas nunca encontrou tempo. Enquanto a mãe estava viva, ele não estava presente; depois da partida dela, também não.

As recordações disso encheram-no de nojo de si mesmo. Era tão pouco o que precisava — um abanão para perceber que o mundo que criara à sua volta era uma ilusão. Nenhuma palavra, nenhum ato tinha verdadeiro significado. Até sentia gratidão por Inês, a ex-mulher, por lhe ter aberto os olhos.

Num instante, tudo ruiu. A vida familiar exemplar que ostentava, as amizades, revelaram-se uma farsa. A mulher e o melhor amigo traíam-no, e os outros, sabendo da verdade, calaram-se. Foi um desastre total. Todos ao seu redor o traíram. Após o divórcio, João voltou à cidade natal. Oito anos haviam passado desde o funeral da mãe, e em todo esse tempo, ele nunca arranjara um momento para visitar o túmulo dela. Só agora percebeu: a mãe fora a única pessoa que nunca o trairia.

Casara-se tarde. Tinha 33 anos, e a noiva, 25. Orgulhava-se tanto ao vê-la ao seu lado. Inês parecia elegante, sofisticada. Mais tarde, quando ela gritou-lhe na cara que odiara cada minuto da vida a dois, que a intimidade com ele fora um tormento, João percebeu como fora cego. O rosto dela, distorcido pela raiva, lembrava uma máscara horrenda. E ele quase cedeu. Inês chorara tão convincentemente, implorando perdão, dizendo que ele nunca tinha tempo, que ela sempre estava sozinha.

Mas quando ele decidiu firmemente o divórcio, Inês mostrou quem realmente era. João saiu do carro, pegou num enorme ramo de flores. Caminhou devagar pelo cemitério. Tudo devia estar coberto de ervas daninhas. Nem sequer viera quando colocaram a lápide. Tudo fora resolvido online, à distância. Assim passa a vida — num piscar de olhos.

Para sua surpresa, a campa estava impecável, sem um único musgo. Alguém cuidava dela. Quem? Talvez uma amiga da mãe. Provavelmente ainda viviam algumas. Se o filho não tivera tempo de vir… Abriu o portão. «Olá, mãe», sussurrou. A garganta fechou-se, os olhos arderam. Lágrimas escorreram-lhe pelas faces.

Ele, um empresário bem-sucedido, um homem duro que nunca chorava nem se deixava abater. Agora soluçava como uma criança. E não queria parar. As lágrimas pareciam purificar-lhe a alma, levando tudo o que estava ligado a Inês e aos outros fracassos. Como se a mãe lhe acariciasse a cabeça e dissesse: «Acalma-te, filho. Tudo vai melhorar, vais ver.» Sentou-se em silêncio, conversando mentalmente com ela. Lembrou-se de quando ralava os joelhos e chorava. A mãe passava mercurocromo, assoprava e acalmava-o: «Não é nada, todos os meninos raspam os joelhos. Vai sarar, nem vais lembrar.» E sarava. A cada vez, a dor tornava-se mais suportável.

«A gente habitua-se a tudo. Menos à traição», repetia ela. Agora entendia o profundo significado dessas palavras. Na altura, pareciam banais. Hoje, via como a mãe fora sábia. Criara-o sozinha, sem pai, mas não o mimara — fizera dele um homem.

Não sabia quanto tempo passara, nem queria olhar para o relógio. Sentia uma paz estranha. Decidiu ficar uns dias na cidade. Precisava resolver o assunto da casa da mãe. Claro que podia pagar à vizinha para cuidar dela, mas até quando ficaria vazia? Sorriu, lembrando-se de conhecer a filha dela. Quando fechara o acordo para vigiar a casa, conhecera Catarina. Estava tão magoado na altura. E ela fora tão gentil. Encontraram-se à noite, conversaram, e tudo aconteceu naturalmente. De manhã, ele partira, deixando um bilhete com instruções sobre a chave.

Aos olhos de Catarina, talvez parecesse mesquinho. Mas não prometera nada. Foi consensual. Ela viera ter com a mãe após se divorciar de um marido violento. Contara-lhe isso. Ambos estavam fragilizados. E aconteceu. Simples assim.

— Seu senhor, pode ajudar-me? — uma voz infantil interrompeu-o. Virou-se e viu uma menina de sete ou oito anos com um balde vazio na mão.

— Preciso de água para regar as flores. Plantámo-las hoje, mas a minha mãe está doente. Se não regar, murcham com este calor. A água é ali perto, mas o balde é pesado. E não quero que ela saiba que vim sozinha. Se for buscar pouca de cada vez, demoro muito e ela descobre.

João sorriu:

— Claro, mostra-me onde é.

A menina caminhou à frente, tagarelando sem parar. Em cinco minutos, João sabia tudo. Que avisara a mãe para não beber água fria no calor, que agora ela estava doente. Luíza viera ao túmulo da avó, que morrera há um ano. A avó ralharia com a mãe, e ela não teria adoecido. Além disso, Luíza já andava na escola e sonhava tirar notas altas.

João sentia-se mais leve. As crianças são tão puras! Agora percebia: seria feliz com uma mulher simples e uma filha. Alguém que o esperasse em casa. Inês fora como uma boneca de luxo, e recusara-se a ter filhos. Chamara-lhe loucura estragar o corpo por uma criaturinha barulhenta. Foram casados cinco anos. E agora, João não tinha uma única memória calorosa desse tempo.

Colocou o balde junto à campa, e Luíza regou as flores com cuidado. João olhou para a fotografia na lápide e gelou. Era a vizinha, a quem pagara para cuidar da casa. A mãe de Catarina. Olhou para a menina.

— A Maria Albertina era tua avó?

— Sim. Conhecia-a?

— Ora, que pergunta! Estava na campa dela. Nós limpamos sempre e trazemos flores.

— «Nós»? — perguntou João, confuso.

— Sim, eu e a minha mãe. Já disse, ela não me deixa vir sozinha ao cemitério.

A menina pegou no balde, olhou em volta.

— Tenho de ir, senão ela preocupa-se e faz perguntas, e eu não sei mentir.

— Espera, levo-te de carro.

Luíza abanou a cabeça:

— Não posso ir com estranhos, e não quero que a mãe fique triste. Ela já está doente.

Despediu-se rápido e saiu a correr. João voltou para o túmulo da mãe. Sentou-se, pensativo. «Estranho. A Catarina não vivia aqui, viera só temporariamente. Agora, parece que mora aqui e tem uma filha.»

Na altura, não soubera que Catarina tinha um filho. Mas quem sabia quantos anos tinha a Luíza? Talvez tivesse casado de novo. Levantou-se, decidido. Provavelmente, ela própria cuidava da casa agora, e ele pagava-lhe.

Bem, no fundo, que diferença fazia? João chegou à casa. O coração apertou-se. Nada mudara. Parecia que a mãe ia sair a qualquer momento, enxugar uma lágrima com o avental e correr para o abraçar. Ficou muito tempo no carro. Ela não saiu. Entrou no quintal. Surpreendeu-se. Até as flores estavam plantadas.

Tudo bonito, bem tratado. Boa, Catarina. Precisava agradecer-lhe. Dentro de casa, brilhava a limpeJoão sorriu, sentindo o peso das lágrimas e da culpa se dissiparem, enquanto seguia para dentro de casa, pronto para recomeçar sua vida ao lado de Catarina e Luíza.

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