Três Irmãos Criados Iguais – Até que Um Revelou Lembranças Inexplicáveis

**Diário Pessoal**

Todos sempre brincavam que precisaríamos de laços coloridos para distingui-los. Então usamos—azul, verde-água, vermelho. Três cópias perfeitas, até nas covinhas. Completavam as frases um do outro. Tinham sua própria linguagem. Compartilhavam tudo. Era como criar uma só alma em três corpos.

Mas há algumas semanas, o Verde-Água—o Tomás—começou a acordar chorando. Não eram pesadelos. Era de lembranças, como ele chamava. Dizia coisas como: *”Lembra da casa antiga com a porta vermelha?”* Nunca tivemos uma porta vermelha. Ou então: *”Por que não vemos mais a Dona Anabela? Ela sempre me dava rebuçados de hortelã.”* Não conhecíamos nenhuma Anabela.

Na noite passada, olhou para mim e disse: *”Tenho saudades do carro antigo do pai. Aquele verde, com o pára-choques amassado.”* Fiquei paralisado. Não era do meu carro que ele falava. Eu tenho um Renault. Nunca houve um carro verde na nossa família.

A princípio, achamos que era imaginação. Eles tinham sete anos. Contavam histórias malucas—navios piratas, dinossauros no sótão, fadas no alpendre. Mas isso era diferente. Os olhos do Tomás ficavam vidrados quando falava, como se estivesse noutro lugar. Ele não queria impressionar ninguém. Acreditava genuinamente no que dizia.

A minha mulher, a Leonor, tentou confortá-lo. *”Talvez tenha sido um sonho, querido. À vezes, os sonhos parecem reais.”* Ele abanou a cabeça devagar. *”Não. Eu lembro. A porta vermelha rangia quando se abria. A mãe pedia para eu não bater.”* “A mãe” era ela. Mas ele não a olhava ao dizer isso. Era como se ela desaparecesse, substituída por outra pessoa na cabeça dele.

Começámos a anotar tudo. Queríamos falar com o pediatra. Talvez até um psicólogo infantil, se continuasse. Depois, o Tomás começou a desenhar—páginas e páginas de uma casa com uma porta vermelha. Os mesmos detalhes: uma chaminé com hera, um caminho de pedra, um jardim pequeno cheio de tulipas. Os irmãos, o João e o Miguel, olhavam e diziam *”Que casa fixe!”*, mas não pareciam incomodados. O Tomás não estava assustado. Apenas… triste. Como se lhe tivessem tirado algo precioso.

Uma manhã de sábado, encontrei-o na garagem, a revirar caixas. Olhou para mim, as mãos sujas de pó. *”Ainda temos a minha luva de basebol?”* *”Tu não jogas basebol, filho”*, respondi suavemente. *”Eu jogava”*, disse ele. *”Antes de cair.”* Ajoelhei-me. *”Antes de quê?”* *”Antes de cair da escada. Aquela que o pai disse para eu não subir.”* Tocou a parte de trás da cabeça. *”Doeu muito.”*

Fiquei a olhar para ele. Havia uma certeza calma na sua voz. Não medo. Não confusão. Só… lembrava-se.

Marcámos uma consulta com a Dra. Sofia, a pediatra. Ela ouviu com atenção, anotou tudo e recomendou um psicólogo infantil especializado em memórias precoces. *”Não estamos a sugerir que haja algo errado”*, assegurou. *”Mas se estas lembranças o perturbam, vale a pena investigar.”*

O psicólogo, o Dr. Tiago, era caloroso e gentil. O Tomás gostou dele logo. Após duas sessões, ele disse-nos em privado: *”Isto não é brincadeira imaginativa comum. Ele descreve coisas com um nível de detalhe e consistência que sugere uma memória profundamente enraizada. Alguns chamam-lhe memória de vidas passadas, embora saiba que é controverso.”*

Vidas passadas? Quase ri. Queria uma explicação médica. Um quirk cerebral. Imaginação fértil. Não… reencarnação. Mas o Dr. Tiago não defendia teorias. Apenas disse: *”Seja qual for a origem, ele está a processar algo muito real para ele. Não o desvalorizem.”*

Nessa noite, pesquisei: *”Crianças que se lembram de vidas passadas.”* Encontrei histórias semelhantes. Um rapaz que lembrava morrer num acidente de carro. Uma menina que falava sueco fluentemente sem nunca o ter ouvido. Pais como nós, divididos entre a lógica e algo mais estranho.

Um artigo mencionava uma investigadora, a Dra. Luísa Ramos, que estudava casos assim. Mandei-lhe um e-mail. Ela respondeu no dia seguinte: *”Gostaria de conversar com o seu filho.”*

Marcámos uma videchamada. O Tomás, tímido, escondia-se atrás de mim, mas a Dra. Luísa era calma. Fez perguntas simples: *”Lembras-te do teu nome da outra vez?”* Ele acenou. *”Ricardo.”* *”E o apelido?”* Ele franziu a testa. *”Parecido com Mendes. Ou Lopes. Não me lembro bem.”* *”Onde vivias?”* *”Numa casa com uma porta vermelha. Na Figueira da Foz. Perto da linha do comboio.”*

Nunca estivemos lá. Ninguém na nossa família era dali.

A Dra. Luísa perguntou se ele lembrava de mais algo—escola, amigos, o que lhe acontecera. Ele hesitou, depois sussurrou: *”Não devia ter subido à escada. Mas queria consertar a bandeira. Caí. A minha cabeça…”* Tocou o mesmo lugar. Depois calou-se.

A Dra. Luísa disse que investigaria. Tinha acesso a arquivos antigos. Três dias depois, ligou-me: *”Encontrei um Ricardo Mendes. Viveu na Figueira da Foz. Morreu em 1978. Sete anos. Caiu de uma escada no quintal. Traumatismo craniano.”*

Um arrepio percorreu-me a espinha. Ela enviou-me o obituário. Havia até uma foto desfocada. O rapaz parecia-se assustadoramente com o Tomás. Os mesmos olhos. A mesma madeixa rebelde.

Não sabia como processar aquilo. Não queria assustar o Tomás—nem os irmãos. Contei à Leonor. Passámos a noite acordados, a falar. Ela chorou. Não de medo. De algo mais difícil de nomear. Luto, talvez. Confusão. Espanto.

Na manhã seguinte, o Tomás entrou na cozinha e disse: *”Acho que não vou sonhar mais com isso.”* *”Porquê, filho?”* perguntou a Leonor. *”Porque acho que já me lembrei de tudo o que precisava.”* A voz dele soava mais velha, como se tivesse fechado um capítulo.

A partir daí, as memórias pararam. Nunca mais mencionou a porta vermelha ou o carro verde. Voltou a desenhar dinossauros, não casas. A brincar à apanhada com os irmãos. A rir como se nada tivesse acontecido. Não pressionámos. Deixámos estar.

Passaram-se meses. Até que, uma tarde, chegou uma carta sem remetente. Dentro, uma foto desbotada: uma casa com porta vermelha. Hera na chaminé. Um jardim de tulipas. Um bilhete manuscrito:

*”Pensei que quisessem guardar isto. —Dona Anabela”*

As minhas mãos tremeram. Mostrei à Leonor. Ela ficou sem palavras. Nunca tínhamos falado da Dona Anabela com ninguém. Exceto o Tomás. E a Dra. Luísa.

TE o Tomás, ao ver a foto, sorriu tranquilo e sussurrou: *”Está tudo como devia estar.”*

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