**A Vida Simples e a Gaiola Dourada**
A minha irmã, Carolina, e a minha mãe, Dona Sofia, viviam na grandiosa mansão que o meu pai deixou em Cascais, as suas vidas um espetáculo de luxo cuidadosamente encenado. Eu, por outro lado, vivia sozinha num apartamento modesto num prédio alto em Lisboa. Como chefe de Investigação e Desenvolvimento numa das principais farmacêuticas do país, liderando um projeto para uma nova droga contra o cancro, a minha vida era plena de um modo que elas não compreendiam.
Depois, a carreira da minha irmã nas redes sociais explodiu. Sob o nome *”A Vida de Luxo da Carolina”*, ela exibia um mundo de jatos privados, bolsas de designer e restaurantes exclusivos para mais de um milhão de seguidores. A fama dela solidificou o lugar da minha mãe na alta sociedade lisboeta.
O assédio começou pouco depois. Ataques nas redes sociais, rumores para manchar a minha reputação. Comentários como *”Como é que alguém de uma família tão rica vive de forma tão simples?”* e *”A vergonha da família”* inundaram as contas da Carolina. Ignorei, escolhendo acreditar numa vida conquistada por mérito.
Um dia, a Carolina anunciou o noivado com Tiago Mendes, um investidor de uma família proeminente do Porto. O casamento seria um evento de opulência sem igual — 400 convidados numa cerimónia no icónico Palácio da Pena, com um orçamento que se dizia ultrapassar os 500 mil euros. Eu, no entanto, nunca recebi um convite.
*”Deves estar ocupada”*, disse a minha mãe, quando perguntei. *”Tens as mãos cheias com aquele projeto da droga.”*
Ainda assim, convenci-me de que era o dia especial da minha irmã. Eu iria. Iria celebrá-la, quer ela quisesse ou não.
**O Casamento e o Muro**
No dia do casamento, cheguei ao Palácio da Pena precisamente às 11h da manhã. Mercedes e BMWs enfileiravam-se à entrada. Dentro, lustres de cristal brilhavam sobre pisos de mármore italiano e arranjos exuberantes de lírios brancos. O cheiro a alfazema e dinheiro enchia o ar.
Encontrei conhecidos do meio farmacêutico — o Doutor Silva do IPO, a Professora Santos do Champalimaud. Conversámos animadamente sobre os resultados promissores dos ensaios clínicos do meu projeto. O respeito deles contrastava com o frio que sentia da minha própria família.
Quando me aproximei do salão principal, vi-o: um segurança de fato preto, com um iPad na mão. A placa no peito dizia *”Segurança do Palácio”*.
*”O seu nome?”* perguntou, sem expressão.
*”Beatriz Almeida.”*
Ele deslizou o dedo pelo ecrã, franzindo o sobrolho. O meu coração acelerou. *”Desculpe”*, disse, as palavras cortantes como gelo. *”O seu nome não está na lista.”*
*”Por favor, verifique outra vez”*, pedi, a voz um pouco trémula. *”Beatriz Almeida. Sou a irmã da noiva.”*
Ele verificou novamente e apenas abanou a cabeça, impávido. *”Lamento, mas terá de sair.”*
Foi então que ouvi uma risada conhecida. Ao fundo do hall, estavam a minha mãe e a minha irmã. A mãe, impecável num fato branco da Gucci e um colar da Ourivesaria Aliança. A Carolina, um sonho num vestido da Valentino e uma tiara de diamantes. Ela segurava o telemóvel, a apontar a câmara para mim, transmitindo a minha humilhação ao mundo.
Os comentários inundavam o ecrã. Corações e mensagens como *”Melhor. Drama. De. Sempre.”* e *”A irmã pateta mereceu.”* A minha mãe e a minha irmã sorriam, triunfantes. Os convidados à volta olhavam, desconfortáveis.
Naquele momento, percebi. Não foi um acidente. Tudo foi planeado. O convite desaparecido, as palavras desdenhosas da minha mãe — tudo preparado para esta cena.
Virei-me em silêncio e saí. Senti os olhares preocupados dos meus colegas, mas mantive a cabeça erguida. Ao recuperar o carro, o jovem estacionista que antes me tinha sorrido agora parecia consternado. *”Tome cuidado, Dona Beatriz”*, murmurou.
A silhueta do Palácio da Pena encolhia no retrovisor. O horizonte de Lisboa parecia mais frio do que o costume. O telemóvel vibrava com notificações, mas desliguei tudo e conduzi para casa em silêncio.
**O Colapso**
Nas redes sociais, a tempestade já se formava. A hashtag *#EscândaloAlmeida* estava em alta. Mas a narrativa não era a que a minha irmã queria.
No salão do Palácio, os VIPs e personalidades que vieram celebrar um casamento assistiam agora a uma execução pública. O Doutor Silva e a Professora Santos, horrorizados, foram os primeiros a sair. Mais de metade dos convidados seguiram-lhes o exemplo, os saltos a ecoar nos mármores da sala a esvaziar-se. O IPO e o Champalimaud inundaram a minha empresa com mensagens.
Depois, veio a notícia. O noivo, Tiago Mendes, subiu ao palco. *”Não posso casar com uma família assim”*, declarou, calmo e firme. *”Encerro o noivado.”*
A Carolina soltou um grito histérico. A minha mãe desmaiou, o colar de pérolas a espalhar-se no chão. O local caiu no caos enquanto os meios de comunicação, já presentes, avançavam.
Ao anoitecer, o intercomunicador do meu apartamento tocou. No ecrã, vi os rostos ensopados em lágrimas da minha mãe e irmã. O fato da Gucci estava amarrotado, o vestido da Valentino sujo de lama.
*”Beatriz, ajuda-nos!”* a voz da minha mãe tremia. Estavam prostradas à minha porta. *”Por favor, abre! Vamos pedir desculpa!”*
Os seguidores despencavam. As marcas cortavam contratos. Sentei-me no sofá e tomeiFechando os olhos, respirei fundo e deixei o sol poente sobre o Tejo lembrar-me que, por vezes, a melhor vingança é simplesmente seguir em frente.