**Diário Pessoal**
O sol começava a descer sobre Lisboa quando Rui Mendonça, outrora um empresário influente entre os círculos mais altos da cidade, sentou-se sozinho na varanda da sua mansão nos arredores. A casa, que antes ecoava com festas, risos e a presença da família, ficara fria e vazia desde a trágica perda do seu único filho, Luís, cinco anos antes. Desde aquele dia, nada—nem a sua fortuna, nem o seu poder—conseguia preencher o vazio no seu coração.
Todos os domingos, Rui fazia a sua peregrinação ao cemitério, levando um ramo de cravos brancos—os preferidos de Luís. Era a única tradição que lhe restava, o único gesto para honrar a memória do filho.
Naquela tarde chuvosa, enquanto se aproximava do túmulo, notou algo estranho. Um menino, não mais do que dez anos, sentado perto da lápide, a olhar fixamente. Vestido com roupas gastas, o miúdo parecia deslocado naquele lugar.
“Ó menino! O que estás a fazer aqui?” chamou Rui.
Assustado, o rapaz levantou-se e fugiu entre as árvores, desaparecendo entre as campas.
Naquela noite, Rui não conseguiu dormir. A imagem do menino fixara-se na sua mente—os olhos, a postura, aquela tristeza inexplicável que lhe lembrava tanto o Luís em criança. Algo dentro dele despertou. Às três da manhã, ligou para Daniel, o seu assistente de confiança e antigo investigador.
“Havia um rapaz junto ao túmulo do Luís hoje. Preciso de saber quem ele é. Encontra-o,” ordenou Rui.
Daniel, que antes liderava a segurança da empresa de Rui, tinha o dom de encontrar pessoas sem chamar atenção. Nos dias seguintes, Rui mal conseguia concentrar-se nas reuniões e chamadas com clientes. O pensamento estava sempre naquele menino—e que ligação, se é que havia alguma, ele poderia ter com o Luís.
Finalmente, Daniel telefonou.
“Descobri algumas pistas,” disse. “Os locais dizem que o rapaz se chama Martim. Aparece muitas vezes no cemitério ou a revirar o lixo. Vive com a mãe, a Beatriz, num armazém abandonado na zona leste. Ela é reservada. Parece que estão os dois a esconder-se.”
“Encontra-os. Hoje,” ordenou Rui.
Naquela noite, Daniel levou-o ao prédio degradado. Lá dentro, entre escombros e humidade, uma luz de vela tremeluzia. Num canto, estava Beatriz, magra e exausta, com o Martim ao seu lado, pronto a fugir.
“Não estou aqui para vos magoar,” disse Rui com calma. “Vi-vos no cemitério. O meu nome é Rui Mendonça. Aquele era o túmulo do meu filho.”
Beatriz baixou o olhar, tensa, pronta a proteger o filho.
“Não quisemos fazer nada de errado,” murmurou. “Por favor, deixem-nos em paz.”
“Só quero entender,” respondeu Rui. “Porque é que o teu filho estava a visitar o túmulo do Luís?”
Um silêncio pesou no ar.
Então, Martim ergueu o olhar e perguntou baixinho: “É o senhor que traz os cravos?”
Rui ficou surpreendido. “Sim… o Luís adorava cravos. Como sabes isso?”
A voz de Beatriz tremeu. “Porque… o Luís era o pai do Martim. Ele nunca soube. Eu estava grávida quando ele morreu.”
Rui ficou petrificado. A mente girava em turbilhão.
“Ele… é o meu neto?” sussurrou.
Beatriz anuiu, com lágrimas nos olhos. “Não sabia como te contar. Depois do acidente… tive medo. Medo que não acreditRui abraçou Martim e, num instante, sentiu que o coração, tão vazio por tanto tempo, finalmente começava a cicatrizar.