Um Gestão de Amor Além do Tempo

Quando o Tomás ainda não tinha cinco anos, o seu mundo desmoronou. A mãe já não estava lá. Ele ficou no canto da sala, paralisado sem entender — o que estava a acontecer? Porque é que a casa estava cheia de estranhos? Quem eram eles? Porque estavam todos tão calados, tão estranhos, a sussurrar e a evitar o olhar?

O menino não percebia porque ninguém sorria. Porque lhe diziam: “Força, miúdo”, e o abraçavam, mas como se ele tivesse perdido algo importante. Ele só não via a mãe.

O pai passou o dia todo distante. Nem uma vez se aproximou, nem o abraçou, nem disse uma palavra. Só ficou sentado de lado, vazio e distante. O Tomás aproximou-se do caixão e olhou para a mãe durante muito tempo. Ela não era nada como costumava ser — sem calor, sem sorriso, sem canções de embalar. Pálida, fria, imóvel. Isso assustava-o. E o menino já não se atrevia a chegar mais perto.

Sem a mãe, tudo ficou diferente. Cinzento. Vazio. Dois anos depois, o pai casou-se outra vez. A nova mulher — a Sónia — nunca se tornou parte do mundo dele. Antes pelo contrário, parecia irritada com ele. Resmungava por tudo, implicava, como se procurasse razões para se zangar. E o pai calava-se. Não o defendia. Não se metia.

Todos os dias, o Tomás sentia a dor que guardava lá dentro. A dor da perda. A saudade. E, com o passar do tempo, desejava cada vez mais voltar à vida em que a mãe estava viva.

Hoje era um dia especial — o aniversário da mãe. De manhã, o Tomás acordou com uma única ideia: tinha de ir vê–la. Ao cemitério. Levar flores. Cravos brancos — os seus favoritos. Lembrava-se de como ela os segurava nas fotos antigas, como brilhavam ao lado do seu sorriso.

Mas onde arranjar dinheiro? Decidiu pedir ao pai.

“Pai, podes dar-me algum dinheiro? Preciso mesmo…”

Mal começou a explicar, a Sónia surgiu da cozinha:

“O que é isto agora?! Já começaste a exigir dinheiro ao teu pai?! Tens alguma noção do trabalho que dá ganhar o ordenado?”

O pai ergueu o olhar, tentou pará–la:

“Sónia, espera. Ele nem teve tempo de dizer para quê. Filho, diz lá, o que precisas?”

“Queria comprar flores para a mãe. Cravos brancos. Hoje é o aniversário dela…”

A Sónia bufou, cruzando os braços:

“Ora essa! Flores! Dinheiro para flores! Queres que o leve também a um restaurante? Arranja qualquer coisa do jardim — isso serve de ramo!”

“Não há lá”, disse o Tomás, baixinho mas firme. “Só se vendem na loja.”

O pai olhou pensativo para o filho, depois para a mulher:

“Sónia, vai tratar do almoço. Estou com fome.”

A mulher resmungou e desapareceu na cozinha. O pai voltou ao jornal. E o Tomás percebeu: não lhe daria dinheiro. Nem mais uma palavra foi dita.

Retirou-se em silêncio para o quarto, pegou no mealheiro velho. Contou as moedas. Pouco. Mas talvez chegasse?

Sem perder tempo, saiu de casa a correr e dirigiu-se à florista. Já de longe viu os cravos brancos na montra. Tão claros, quase como num conto de fadas. Parou, prendendo a respiração.

Depois, entrou decidido.

“O que queres?” — perguntou a vendedora, mal-educada, observando o menino de alto a baixo. “Deves ter-te enganado. Aqui não há brinquedos nem doces. Só flores.”

“Eu não… eu quero mesmo comprar. Cravos… Quanto custa um ramo?”

A vendedora disse o preço. O Tomás tirou do bolso todas as moedas. Mas não chegavam nem a metade.

“Por favor…” — implorou ele. “Posso trabalhar para pagar! Venho todos os dias, ajudo: limpo, tiro o pó, lavo o chão… Só me dêem o ramo a crédito…”

“Estás bem da cabeça?” — resmungou a mulher, irritada. “Achas que sou milionária para andar a dar flores? Anda, sai daqui! Senão chamo a polícia — não gostamos de mendigos por aqui!”

Mas o Tomás não ia desistir. Precisava daqueles cravos hoje. Voltou a insistir:

“Eu pago tudo! Prometo! Vou ganhar o que falta! Por favor, perceba…”

“Olha só, que artista!” — gritou a vendedora, tão alto que os transeuntes se viraram. “Onde estão os teus pais? Já devia chamar os serviços sociais! Andas aqui sozinho? Última vez que digo —some daqui antes que eu ligue!”

Foi então que um homem se aproximou da loja. Testemunhara a cena por acaso.

Entrou na floricultura exatamente quando a mulher gritava com o menino desolado. Aquilo incomodou-o — não suportava injustiças, especialmente com crianças.

“Porque está a gritar assim?” — perguntou severamente à vendedora. “Está a berrar com ele como se tivesse roubado algo. Ele é só uma criança.”

“E você quem é?” — rosnou a mulher. “Se não sabe o que se passa, não se meta. Ele quase roubou um ramo!”

“Ah, sim, ‘quase roubou'” — o homem ergueu a voz. “Você atirou-se a ele como um lobo à presa! Ele precisa de ajuda, e você ameaça? Perdeu a vergonha?”

Virou-se para o Tomás, encolhido num canto, esfregando as lágrimas no rosto.

“Olá, amigo. Chamo-me Rui. Conta-me, porque estás triste? Querias comprar flores, mas não tinhas dinheiro suficiente?”

O Tomás fungou, limpou o nariz com a manga e, com voz baixa e trémula, disse:

“Queria comprar cravos… Para a minha mãe… Ela adorava-os… Mas há três anos partiu… Hoje é o aniversário dela… Queria ir ao cemitério e levar-lhe flores…”

O Rui sentiu o coração apertar. A história do menino tocou-o profundamente. Ajoelhou-se ao lado dele.

“Sabes, a tua mãe pode orgulhar-se de ti. Nem todos os adultos levam flores no aniversário, e tu, com oito anos, lembras-te e queres fazer algo bom. Vais ser um grande homem.”

Depois, virou-se para a vendedora:

“Mostre-me os cravos que ele escolheu. Quero comprar dois ramos — um para ele, outro para mim.”

O Tomás apontou para os cravos brancos na montra, que brilhavam como porcelana. O Rui hesitou — eram exatamente os que planeava levar. Não disse nada em voz alta, mas pensou: “Coincidência ou destino?”

Pouco depois, o Tomás saía da loja com o cobiçado ramo nas mãos. Guardava-o como um tesouro, sem acreditar que tinha conseguido. Virou-se para o homem e, timidamente, sugeriu:

“Tio Rui… Posso deixar-lhe o meu número? Vou pagar-lhe o dinheiro. Palavra de honra.”

O homem riu-se, bondoso:

“Não duvidei que me dirias isso. Mas não é preciso. Hoje é um dia especial para uma mulher que me é querida. Há muito que esperava para lhe contar o que sinto. Por isso estou de bom humor. Fico feliz por ter feito uma boa ação. Além disso, parece que temos gostos iguais — a tua mãe e a minha Inês adoravam estas flores.”

Por um instante, calou-se, perdido em pensamentos. Os seus olhos fitavam o vazio,Ele abraçou o filho com força, prometendo nunca mais deixá-lo sozinho, e juntos caminharam em direção ao pôr do sol, levando no coração a certeza de que um novo começo os aguardava.

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