O sol começava a lançar um brilho dourado sobre as ruas de Lisboa quando Bernardo Mendes saiu do seu SUV preto. Como CEO da Mendes Inovações, estava habituado ao burburinho das salas de reuniões mais chiques, dos hotéis de luxo e dos aero-portos privados — mas hoje era diferente. Hoje, algo o trouxera de volta ao cantinho mais tranquilo da cidade onde crescera.
Ajustou as mangas do seu casaco feito sob medida e dirigiu-se à padaria do bairro. Era a única coisa que restava da sua infância que não mudara. Um cheiro quente de canela pairava no ar, despertando memórias que não tocava há anos — especialmente dela.
Leonor.
O coração deu uma pausa quando o nome ecoou no peito. Não a via desde os dezasseis anos. Fora sua melhor amiga, seu amor secreto, a rapariga que colara um bilhete encorajador no seu cacifo antes de uma grande competição de ciências. Lembrava-se do jeito suave do seu riso, dos ganchos de girassol no cabelo e da forma como acreditara nele antes de qualquer outra pessoa.
Enquanto caminhava, o telemóvel vibrou com uma notificação, mas algo o fez parar.
Uma vozinha.
“Mamã, estou com frio…”
Bernardo virou-se na direção da voz e viu uma jovem sentada no passeio, os braços envoltos em proteção à volta de duas meninas gémeas. As miúdas não deviam ter mais de três anos, as bochechas rosadas de frio, os casacos demasiado finos para o inverno.
Talvez tivesse continuado a andar — até olhar para o rosto da mulher.
A respiração faltou-lhe.
“Leonor?”
Ela ergueu o olhar, surpresa. Os olhos abriram-se em incredulidade.
“Bernardo…?”, sussurrou.
Por um momento, o tempo dobrou-se sobre si mesmo. Ele viu flashes do passado — o sorriso dela, os passeios junto ao rio, a voz dela a ler em voz alta durante o grupo de estudo.
Ajoelhou-se ao lado dela. “O que aconteceu, Leonor? Onde estiveste?”
Lágrimas encheram-lhe os olhos enquanto instintivamente puxava as meninas para mais perto. “Nunca pensei voltar a ver-te. Assim, menos ainda.”
As gémeas olharam para ele, curiosas e cautelosas.
“Eu… perdi tudo, Bernardo”, disse baixinho. “Casei-me. O meu marido… morreu num acidente pouco depois das meninas nascerem. Não tinha seguro. Nada de poupanças. Fomos despejados dois meses depois. Não tinha família. Tenho tentado sobreviver desde então.”
Ouviu a vergonha na voz dela — e o cansaço.
“Há quanto tempo estás assim?”, perguntou ele, gentil.
“Quase dois anos”, respondeu, os olhos baixos. “Faço biscates quando consigo, mas com gémeas… é difícil. Algumas noites, é mais seguro dormir no abrigo. Outras…”
Não terminou a frase, mas viu-a estremecer.
Olhou para as gémeas. Uma delas puxou-lhe a manga. “És médico?”
Sorriu. “Não, princesa. Sou um amigo antigo da tua mãe.”
A menina assentiu, séria. “Pareces rico. Como as pessoas dos filmes.”
“Leonor”, disse Bernardo, a voz firme, “Vem comigo. Por favor. Tu e as meninas. Agora. Não posso deixar-vos aqui.”
Os olhos dela abriram-se em pânico. “Não posso—Bernardo, não sou tua responsabilidade.”
“Não és”, concordou, levantando-se.
“Não és minha responsabilidade. És alguém de quem eu gostei. Alguém de quem nunca deixei de me perguntar.”
Estendeu a mão.
Leonor olhou para as gémeas, depois para ele.
E, pela primeira vez em muito tempo, estendeu a mão e aceitou-a.
Em menos de uma hora, Leonor e as meninas estavam envoltas em roupa quente, sentadas na ala dos hóspedes do apartamento de Bernardo, com vista para a cidade. Um bule de chocolate quente repousava intocado na mesa enquanto as meninas exploravam o espaço desconhecido, maravilhadas com a televisão e os tapetes fofos.
Leonor sentou-se à beira do sofá, sem saber onde pousar as mãos. Estava limpa, alimentada e quentinha — mas ainda tensa, como se tudo pudesse desaparecer.
“Acho que estou a sonhar”, disse finalmente.
Bernardo sentou-se à sua frente, a expressão suave. “Não estás. E peço desculpa por ter demorado tanto a encontrar-te.”
Ela olhou para ele. “Porque estás a fazer isto, Bernardo?”
Ele ficou em silêncio por uns instantes.
“Porque, quando eu não era ninguém, tu fizeste-me sentir que era alguém. Deste-me confiança quando eu não tinha nenhuma. Aquele projeto da feira de ciências? Só o fiz porque tu me encorajaste.”
Leonor sorriu, triste. “Eu sempre soube que irias fazer coisas grandes.”
“E agora”, continuou ele, “quero fazer algo bom — com tudo o que conquistei.”
Ela conteve as lágrimas. “Tenho medo. Não quero ser uma esmola.”
“Não és”, disse ele, firme. “És a Leonor. Ainda és aquela rapariga forte e gentil que eu conheci. Passaste por uma tempestade. E quero ajudar-te a superá-la.”
Nas semanas seguintes, Leonor e as gémeas instalaram-se numa casa anexa à propriedade de Bernardo.
Ele contratou uma professora para ajudar as meninas a recuperar o atraso e inscreveu-as num jardim-de-infância local. Apresentou Leonor a um amigo que gerE, anos mais tarde, com as meninas já a chamá-lo de “Pai” e a vida finalmente em paz, Bernardo percebeu que o maior sucesso da sua carreira não estava nos negócios, mas no lar que construíra com a família que o destino lhe devolvera.