João e eu estávamos casados há sete anos. Desde o dia em que dissemos “sim”, concordei em viver com a minha sogra, Dona Amélia, uma mulher que sofreu um AVC, ficou paralisada de um lado e precisava de cuidados constantes para cada refeição e cada sesta. No início, achei que seria simples: ela era a minha sogra, eu era a sua nora, e cuidar dela era apenas o meu dever.
Mas nunca imaginei que o peso dessa responsabilidade duraria tanto tempo—e a parte mais difícil era que vinha da única pessoa que deveria partilhá-la comigo: o meu marido, João.
João saía para trabalhar durante o dia e, à noite, ficava colado ao telemóvel. Dizia muitas vezes: “Tu sabes cuidar melhor da Mãe do que eu. Se eu tentar, ela vai sofrer mais.” Nunca guardei rancor por isso.
Pensava que era assim que a vida funcionava: a esposa cuida da casa, o marido sustenta a família. Mas depois descobri que João não estava só no trabalho—tinha outra pessoa.
Um dia, deparei-me com uma mensagem: “Vou aí esta noite outra vez. Estar contigo é mil vezes melhor do que estar em casa.” Não gritei, nem chorei, não fiz escândalo.
Apenas perguntei em voz baixa: “E a tua mãe, aquela que negligenciaste todos estes anos?” João não respondeu. No dia seguinte, foi-se embora. Eu sabia exatamente para onde tinha ido.
Olhei para Dona Amélia—a mulher que um dia criticou cada garfada que comi, cada soneca que tirei, que disse que eu era “indigna de ser sua nora”—e senti um nó na garganta. Queria desistir de tudo. Mas depois lembrei-me: uma pessoa deve sempre manter a sua dignidade.
Uma semana depois, liguei ao João. “Estás livre? Vou levar a tua mãe aí para que possas cuidar dela.”
Embrulhei os medicamentos, os registos hospitalares e um caderno médico antigo num saco de pano. Naquela noite, coloquei-a na cadeira de rodas e disse suavemente: “Mãe, vou levá-la à casa do João por uns dias. Ficar sempre no mesmo lugar é aborrecido.” Ela anuiu, os olhos a brilhar como os de uma criança.
No pequeno apartamento, toquei à campainha. João abriu a porta e, atrás dele, estava a outra mulher, num roupão de seda e batom vermelho-vivo. Empurrei Dona Amélia até à sala, arrumei os cobertores e as almofadas e coloquei o saco de medicamentos em cima da mesa.
A casa cheirava intensamente a perfume, mas era fria e silenciosa. João gaguejou: “O que… o que estás a fazer?”
Sorri com doçura. “Lembras-te? A mãe é tua. Eu sou apenas a tua nora. Cuiduei dela durante sete anos—já chega.” A mulher atrás dele empalideceu, ainda com uma colher de iogurte na mão.
Afastei-me com calma, como se terminasse uma tarefa há muito planeada. “Aqui está o histórico médico, as receitas, as fraldas, os pensos e o creme para as feridas. Anotei todas as doses no caderno.”
Coloquei o caderno em cima da mesa e virei-me para sair. A voz do João ergueu-se. “Vais abandonar a minha mãe? Isto é cruel!”
Parei, sem me virar, e respondi num tom sereno e firme:
“Negligenciaste-a durante sete anos—o que é isso, senão crueldade? Cuidei dela como se fosse da minha família, não por tua causa, mas porque ela é uma mãe. Agora vou-me embora—não por vingança, mas porque cumpri a minha parte como ser humano.”
Olhei para a outra mulher e encarei-a, sorrindo suavemente. “Se o amas, ama-o por inteiro. Isto faz parte do pacote.”
Depois, coloquei a escritura da casa em cima da mesa. “A casa está só no meu nome. Não levo nada. Ele só levou a roupa. Mas se algum dia precisarem de dinheiro para os cuidados da mãe, ainda contribuirei.”
Inclinei-me e acariciei o cabelo da minha sogra uma última vez. “Mãe, porte-se bem aqui. Se se sentir triste, eu venho visitá-la.”
Dona Amélia sorriu, a voz a tremer. “Sim… volta a ver-me quando regressares a casa.”
Saí, fechando a porta atrás de mim. A sala ficou em silêncio, cheia de uma mistura de perfume e óleo de massagem. Naquela noite, dormi em paz, sem sonhos. Na manhã seguinte, levantei-me cedo, levei o meu filho a tomar o pequeno-almoço e abracei um novo começo—sem lágrimas, sem ressentimentos.
A vida ensinou-me que o amor verdadeiro não se mede pelo que se recebe, mas pelo que se doa. E, às vezes, a maior demonstração de amor é saber quando deixar ir.